E o Carnaval, quando começa?

Por

Fernando Silva*

Em 13.03.2023

Meu amigo Gilson, o popular Gilson da Praça do Jacaré, tem a melhor, a mais completa e perfeita definição para o início do período carnavalesco. É sempre no dia 07 de setembro lá na Sede da Pitombeira, Rua 27 de Janeiro, bem pertinho do Centro de Cultura Luiz Freire, conhecido como CCLF ou Cefelê. Para quem não conhece, fica atrás ou, se preferirem, nos fundos da Igreja de São Pedro, parte histórica da cidade de Olinda. Calma, nos fundos não financeiros, entendam. O cabra da Praça do Jacaré tem uma sentença momesca, uma cláusula pétrea, aquela que nem emenda constitucional altera. Ele diz que o que ocorre nas noites das quintas-feiras, uma semana antes da quarta de cinzas, é o início do fim do Carnaval. Isso mesmo, o início do fim. Lembro logo dos ensinamentos do Rei Reginaldo Rossi: “E em Olinda, o carnaval…É o melhor do mundo. É sensacional”.

Aliás, escutei um depoimento de uma turista de Brasília, que o Carnaval em Olinda não é uma festa. É uma multiplicidade cultural. Achei a definição boa demais, boa demais, boa demais… (uma adaptação do famoso frevo cantado por Alceu Valença – Bom demais) que sempre se apresenta no Carnaval. Em 2023 foi diferente. Não estava acompanhando do Paulo Rafael. Magnífico guitarrista. Todos os anos, sempre esperei seus acordes. Quem quiser ouvir, faça uma busca na internet “Alceu Valença, Elefante de Olinda”. Ele recebeu uma merecida homenagem: um boneco gigante.

Não me perguntem sobre o Carnaval do Recife. Não tenho informações precisas. Mas, posso asseverar que o pessoal recifense é meio atrasado. Inicia o carnaval na sexta-feira, depois do prelúdio do fim em Olinda. Deve ser uma influência histórica. Olinda foi a primeira capital de Pernambuco e o Recife a sucedeu depois da Guerra dos Mascates. E por escrever cinzas, lembro que o meu tio Givaldo conta os meses do ano de uma forma exótica. Ele não considera os 12 meses. Demora muito a passar. Explica e justifica. Segundo ele, depois do Carnaval, vem a Semana Santa, na sequência as festividades juninas, com Santo Antônio, São João e São Pedro.

Confesso que não sei se gosto mais do Carnaval ou das Festas Juninas, com forró, baião e xaxado, e das comidas derivadas do milho (canjica, pamonha, bolo de milho, xerém, mugunzá). Do milho cozido, assado. Filho da Capital do Agreste, a querida Agrestina, Pernambucano e Nordestino, é melhor ficar com os dois grandes momentos de afirmação da amplitude, diversidade e mistura cultural. Eita! estava esquecendo do calendário de tio Givaldo. Depois das festas de junho é a vez do Natal e Ano Novo. Depois o Carnaval. Que maravilha! Tio Bigode, como também é conhecido, acaba com a agonia de esperar tantos meses para o próximo Carnaval. Ao invés de 12 meses entre os carnavais, apenas 04. Pense num aprendizado cientificamente comprovado pela Universidade da Vida. Não precisa nem de monografia, artigo científico, dissertação, tese e nem demais afazeres acadêmicos. Livre das normas da ABNT. O aprendizado com tio Givaldo é insuperável. Quem quiser outro calendário invente um diferente e melhor, preferencialmente, mais rápido. Aliás, ao juntar o calendário carnavalesco de Gilson com o do tio Bigode é possível encurtar o tempo. Depois do Carnaval, vem o mês de junho, depois setembro. Pronto. Olinda já tem Carnaval.

Em 2023, não tivemos o melhor Bloco do Mundo, a Feijoada da Mamãe, idealizada e criada por João Fernando, um dos meus filhos. E tem explicação. A Feijoada é para um seleto grupo de 100 pessoas amigas, composto por mães e pais com filhos e filhas com idade à época da primeira aparição do Bloco (2011) na faixa dos 10 anos. A Bel, filha de Gilson e Ângela, brincou no braço. O tempo passou. Sofremos com a pandemia mundial e o pandemônio nacional. A maior parte daquelas crianças que participavam da Feijoada da Mamãe chegou na vida adulta, com múltiplos e diferentes interesses durante a folia. A ideia é trazer o bloco para janeiro, mês de intensas e excelentes prévias nas ladeiras históricas de Olinda, que tem no “Bicho maluco beleza do Largo do Amparo. Teu estandarte tão raro, Bajado criou. Usando tintas e cores do imaginário. Ai, quantas dores causaste ao teu caçador.” Fico emocionado com a beleza da letra na voz inconfundível de Alceu Valença. Em janeiro, até Bruno, meu filho que não curte Carnaval e mora em sampa, deve aparecer nas ladeiras, fantasiado e muito mais.

Lembrando de letras de música de Carnaval, neste carnaval a Kellyanne Abreu nos apresentou uma pérola. Uma cearense de nome “enfeitado”, uma mistura do português com uma dessas línguas estrangeiras. Vamos respeitar os ensinamentos do Mestre Ariano Suassuna, que preferia Chico Ciência ao Chico Science. A K LL Y NN representar o Estado mais sério do Brasil, basta lembrar que de lá vieram Chico Anísio, Renato Aragão, Tom Cavalcante e por aí vai.

A cearense, amiga de Mirella, agora integra o universo das minhas amizades para além do Carnaval. Ela apresentou uma nova versão para o Hino da Pitombeira, cantando assim: batata-doce eu também quero; batata-doce eu também quero ao invés de “bata-bate com doce eu também quero. Eu também quero, eu também quero.”. Se é para bater, resolvemos ir à sede da Pitombeira e ela bateu um retrato completo do hino. Agora, ela canta as duas versões. Rebatizar as letras deve ser coisa de cearense, pois fiquei sabendo que em carnavais passados, Adriano, outro cearense amante da folia em Olinda, cantou assim “voltei, Recife…foi o palhaço que me trouxe pelo braço”. Povo criativo tem o Ceará.

Dos aprendizados carnavalescos, João Fernando apresentou um impagável: o melhor lugar para acompanhar os blocos é atrás das orquestras, entre as tubas e os pandeiros. Mas, tem uma diferença. No Homem da Meia Noite é bom ficar entre o primeiro grupo de passistas e a orquestra. É muita gente e policiais fazendo um cordão de proteção da orquestra.

Um fato que chamou atenção no Carnaval de Olinda em 2023 foi que o direito humano e fundamental de mijar nas ladeiras olindenses tem seu IPCM (Índice de Preço do Mijo). Lá pelas bandas de Guadalupe era de R$ 2,00. Dependendo do lugar no Alto da Sé sobe para R$ 3,00 e chegava a R$ 5,00 nos Quatro Cantos, Rua do Amaro, 27 de Janeiro, Prudente de Moraes. Sem pagar, somente nos banheiros químicos para quem tem nariz de aço. A variação no IPCM deve ter a ver com maior ou menor IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano do Mijo). O IBGE e o IPEA devem produzir um estudo sobre a variação do preço da liberação do importante líquido nos carnavais brasileiros.

Para não dizer que somos bairristas (ou seria olindistas?), fomos conhecer o Bloco DO NADA, no Pátio de Santa Cruz, lá em Recife. O hino é um esplendor de manifesto artístico, cultural e filosófico. “O NADA nunca me enfada. DO NADA eu quero viver.” Lá encontrei um punhado de gente querida. DO NADA encontrei Flávio-Karina, Lara, Gessyanne-Flávio, Rose, Lídia, Carajás, Merrem, Daniel, Moisés, Eutácio-Miriam, André da Etapas Vídeo, Betânia, Kátia, Brígida e muito mais. No NADA não encontrei uma ladeira, tipo daquelas cantadas por Alceu Valença, Ladeira da Misericórdia, da Sé, do Amparo. “Ladeiras sugerem saudades, minha companheira. Ladeiras que só interessam a ti e a mim.”. Segundo Flávio, no Pátio de Santa Cruz tem um enorme monumento ao NADA. Quem quiser conhecer é só chegar e contemplar.

Agora, é esperar passar a Semana Santa, as festas juninas e, finalmente, chegar o 07 de setembro para iniciar outro período carnavalesco nas ladeiras históricas de Olinda e repetir o que Clídio Nigro e Clóvis Vieira ensinaram no Hino do Elefante:

Ao som dos clarins de Momo
O povo aclama com todo ardor
O Elefante exaltando as suas tradições
E também seu esplendor
Olinda, este meu canto
Foi inspirado em teu louvor
Entre confetes e serpentinas
Venho te oferecer
Com alegria o meu amor

Olinda! Quero cantar a ti esta canção
Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar
Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar
Em Olinda sem igual
Salve o teu Carnaval!

*Fernando Silva – Mestrando em Educação, Cultura e Identidades UFRPE/Fundaj

Imagem: Fernando Silva