Mundo, Violência

Guerra em Gaza: morrendo em busca de sobrevivência

Médicos Sem Fronteiras (MSF)

Em 10.02.2025

Por mais de 15 meses, a guerra de Israel e o bloqueio imposto a Gaza forçaram milhões de palestinos a se deslocar e sobreviver com uma terrível escassez de recursos essenciais – como água, comida e abrigo.

Embora o cessar-fogo temporário, que começou em 19 de janeiro de 2025, tenha proporcionado uma trégua vital para as pessoas em Gaza, muitas vidas foram perdidas — não apenas por causa dos bombardeios, mas também devido às condições desumanas causadas pelo bloqueio. Agora, a maior parte da população depende da ajuda humanitária para sobreviver.

“Passei exatamente 20 dias sem pão em Deir al-Balah. Naquela época, toda a minha esperança era conseguir um único pedaço de pão.”

 Osama Abu Laban, profissional de MSF que vive com a família em Gaza

Osama Abu Laban, profissional da equipe de MSF em Gaza, conhece esse desespero de perto e as tragédias que o acompanham. O filho dele, de apenas 14 anos de idade, foi morto em um ataque enquanto buscava água para a família em Beit Hanoun, no norte de Gaza. Depois, Abu Laban precisou fugir junto com a família para Deir al-Balah, na região central de Gaza, na esperança de encontrar mais segurança.

Um ano depois, em 29 de novembro de 2024, a filha dele, Rahaf, de 17 anos, morreu sufocada em uma multidão enquanto tentava conseguir pão para alimentar a família. A seguir, Abu Laban descreve as situações traumáticas que levaram à morte da filha.

“Passei exatamente 20 dias sem pão em Deir al-Balah [do final de outubro ao início de novembro de 2024]. Naquela época, toda a minha esperança era conseguir um único pedaço de pão. Tivemos que ir [para a padaria] bem cedo, às 4h. Esperei na fila até 18h. Sinceramente, eu estava exausto. Minha perna estava machucada, o que dificultava que eu ficasse em pé por muito tempo.

Foi incrivelmente difícil para nós. A ponto de eu e meus filhos comermos farinha estragada. Minha filha, Rahaf, comia o pão e, depois, vomitava. Ela não tinha estômago para aquele pão, e eu não podia oferecer nada melhor. Mas o pão foi apenas o começo dos nossos problemas.

Lembro que Rahaf me disse: ‘Pai, quero ir [à padaria] dessa vez. Para você, ir à padaria significa arriscar a vida. Se você fosse tão durão quanto os outros, eu diria: vá em frente. Mas eu te conheço, você não gosta dessas situações. Você não gosta de lugares lotados’.

“Ela era minha alegria, meu espírito, minha esperança.”

Osama Abu Laban, profissional de MSF que perdeu a filha na guerra em Gaza

Mesmo assim, fui até a padaria. Estava na fila há uns 20 minutos quando minha esposa veio correndo até mim e disse: ‘Depressa, depressa, Rahaf seguiu você. Ela te seguiu, mas ainda nem saiu da fila’.

Foi então que dois jovens me pediram ajuda, dizendo que estava um caos onde as mulheres estavam, que algumas caíram. Eles disseram: ‘Parece que duas meninas desmaiaram. Parece que estão sufocando’.

Peguei a primeira garota e a entreguei ao jovem que falava comigo. Então eu vi a segunda garota. Seu rosto se virou para mim enquanto eu agarrava suas pernas. Vi o rosto dela e percebi: era minha filha.

No carro, tentei acordá-la de todas as formas possíveis; conheço as técnicas básicas de primeiros socorros. Eu só pensei que, talvez, se chegássemos ao hospital, eles poderiam trazê-la de volta.

No hospital, o médico disse que não havia nada que pudessem fazer por ela.  Esse foi o momento em que desabei e perdi o controle [e disse para ela]: ‘Seu irmão se foi; não o siga. Não me deixe em pedaços’. Ela era minha alegria, meu espírito, minha esperança.”

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