O que esperar do cinema em plena pandemia

Por

Pedro H. Azevedo*

Em 02.08.2020

Pelo menos desde o início de março, por causa da pandemia, as salas de cinema brasileiro estão fechadas, assim como nos Estados Unidos e em boa parte da Europa. Os países asiáticos que ainda não controlaram a propagação da doença também seguem o mesmo caminho. Já a China, segundo maior mercado de cinema no mundo, recentemente começou a reabrir suas salas em regiões nas quais o surto da doença já está mais controlado. Para isso, o governo chinês criou uma série de protocolos de saúde para prevenir a circulação do vírus, como o uso obrigatório de máscaras dentro das salas, a proibição do consumo de alimentos e a ocupação limite de apenas 30% dos lugares disponíveis.

A reabertura dos cinemas chineses não deixa de ser uma boa notícia para a indústria cinematográfica, mas é necessário analisar o quanto as restrições necessárias para que isso aconteça afetará o ganho de dinheiro tanto das empresas donas das salas, impossibilitadas de vender alimentos para consumo dentro das salas, sua maior fonte de receita, quanto das produtoras dos filmes. Afinal, 30% de ocupação corta em mais de um terço a bilheteria de um filme.

Os números da bilheteria chinesa do último fim de semana já indicam essa perda massiva de receita. A bilheteria, segundo a Variety, fez “míseros” 12,6 milhões de dólares, o que equivale a apenas 16% da média de bilheteria de dezembro de 2019 do mercado chinês. Também é necessário dizer que nesse retorno não houve nenhuma grande estreia. As exibições foram de blockbusters médios que já estavam sendo exibidos mundo afora antes dos fechamentos de fevereiro (Dolittle, Bloodshot, Sheep Without a Shepherd) ou relançamentos que foram sucesso de bilheteria anteriormente (Viva – A vida é uma Festa, Zootopia, À Procura da Felicidade). Mas, agora em agosto, com o lançamento de “Tenet”, vai ser possível saber realmente se esse novo modelo de cinema é capaz de gerar lucro suficiente para sustentar a indústria ou não.

“Tenet” é o novo filme do celebrado diretor Christopher Nolan, famoso pela trilogia do Batman, interpretado por Christian Bale, e por agitadas ficções científicas com roteiros que lidam com o tempo de forma incomum, como os sucessos de público e crítica “A Origem”, “Interestelar” e “Amnésia”. Estrelado por John David Washington (Infiltrado na Klan) e Robert Pattinson (O Farol), o misterioso filme promete ser mais um dos complexos e elaborados filmes do diretor.

Marcado inicialmente para estrear no meio do mês de julho, o filme foi adiado inicialmente para o fim do mesmo mês, depois para 12 de agosto e em seguida adiado indefinidamente pela Warner, estúdio que produziu o filme. Porém, no início da última semana de julho, a Warner divulgou novas datas para o lançamento. A estreia se dará em datas diferentes, dependendo do grau de controle da pandemia nos países, começando em 26 de agosto (Bélgica, Reino Unido, Turquia, Suíça, Croacia, Itália, França, Coréia do Sul, Portugal etc) e seguindo estreando pelos próximas semanas de setembro. O lançamento no Brasil está programado para acontecer no dia 10 de setembro. Havia um risco de o filme não ser lançado na China por conta de uma diretriz do governo de permitir apenas exibições de filmes com menos de duas horas de duração.  O filme tem duas horas e meia, mas mesmo assim foi aprovado, embora até esse momento não tenha sido divulgada a data de estreia por lá.

Pelo que tudo indica, por trás desse lança/não lança estava, de um lado, Christopher Nolan – que no início da pandemia escreveu um artigo bem apaixonado, exaltando os benefícios econômicos e sociais das salas de cinema na sociedade estadunidense –  querendo lançar seu filme no cinema de qualquer maneira, inclusive vendendo-o como a obra que vai reviver os cinemas do mundo. Famoso pelo seu purismo – o diretor faz questão de só filmar em película e utilizar efeitos práticos sempre que possível, tendo até comprado um Boeing 747 só para o explodir em uma cena de “Tenet”, ao invés de fazer utilizando miniaturas e computação gráfica, como a grande maioria dos diretores de Hollywood fariam –, a alternativa de disponibilizar o seu filme diretamente para os serviços de streaming é algo totalmente fora de cogitação, até porque, para ele, “o que sempre definiu um filme foi o fato de ser exibido nos cinemas. Nem mais, nem menos, sendo assim, serviços de streaming, como a Netflix, nem cinema faz; do outro lado, os produtores da Warner que tentam postergar ao máximo a estreia com receio de não conseguirem o retorno esperado para os 200 milhões de dólares investidos só na produção do filme (o gasto com propaganda pode aumentar mais 100 milhões de dólares a esse valor).

No fim das contas, a decisão da Warner, além de arriscada do ponto de vista financeiro, se mostra bastante inconsequente. Até porque, em diversos países, incluindo o Brasil, a pandemia não está plenamente controlada e nem se sabe quando estará e ainda não há nenhuma data estabelecida pelas autoridades de saúde para a reabertura dos cinemas.

Para a indústria do cinema, “Tenet” será a cobaia que definirá o futuro das salas de cinema enquanto uma vacina não for desenvolvida e distribuída mundialmente. Se falhar miseravelmente, a consequência pode ser até de um novo fechamento das salas que reabriram, já que os estúdios não irão ter coragem de lançar os seus filmes para perderem dinheiro e Nolan, que até agora só acumula sucesso atrás de sucesso, pode acabar ganhando um fracasso e até uma mancha na sua imagem, sendo visto como o diretor de cinema egocêntrico que não se importou com a vida de milhares de pessoas vítimas da COVID-19, pensando exclusivamente em lançar seu filme a todo custo (para muitos ele já está sendo visto assim). Se o filme for um sucesso, provavelmente os grandes estúdios de Hollywood devem adiantar os seus filmes adiados e teremos um fim de ano recheado de blockbusters para ver no cinema. Isso para quem tiver coragem de ir.

Pedro H. Azevedo escreve e administra a página Um Toque do Cinema no Instagram.