O Recife e a Covid-19

Por

Terezinha Nunes*

Em 07.08.2020

“Saco vazio não se põe de pé”, diz  a sabedoria popular para expressar que sem ação, medidas concretas e agilidade no agir é impossível encarar grandes desafios na vida. Muito menos na vida pública quando estão em jogo não só uma mas milhares ou mesmo milhões de vidas. A dificuldade é ainda maior quando se trata de uma pandemia como essa que nos assola e dá sinais de que vai permanecer nos penalizando por um certo tempo, que esperamos se abrevie.

Aqui falo do exemplo do Recife, uma capital das primeiras a ser atacada pelo problema em função da grande ligação com a Europa por via aérea e que recebia turistas de todo mundo, trazidos por navios que aqui aportavam seguidamente.

Quando vimos na TV o problema na China e a agilidade daquele povo em construir hospitais de um dia para outro e os caminhões levando cadáveres das vítimas da Covid-19 na Itália, era de dar frio na espinha imaginar que passaríamos por isso com muito menores condições e uma população – no que se refere à Europa – infinitamente mais pobre. E o pior: com um sistema de saúde que, pela carência de UTIs, vivia em emergência em tempos normais.

Já temos, é verdade, mais de dois mil mortos a lamentar e 28 mil casos da doença diagnosticados na capital, fora os milhares que passaram batidos da vista das autoridades porque os exames não são de acesso a todos.

Diante desses números, há motivo para se celebrar alguma coisa?

Claro que não, mas dá, pelo menos, para reconhecer o esforço imenso do poder público e da população que, quando chamada, ajudou como pode, doando alimentos e levando nossa capital a atingir, em certo momento, o maior percentual de isolamento social do país até agora.

Não foi fácil nem está sendo ficar em casa, muito menos para os milhares de pessoas que, sem ter com que se alimentar no dia seguinte, aglomeraram-se nas filas da  Caixa Econômica Federal, arriscando a vida e a dos familiares e amigos, por um auxilio emergencial de R$ 600,00.

Mas, analisando agora o que aconteceu, aproveitando o momento em que estamos em plena curva descendente de mortes e casos da doença  – esta semana Recife passou a contar com apenas 16% dos casos de Pernambuco, quando chegou a ter 54% em abril – e quando vimos chegar à capital o primeiro avião vindo da Europa após iniciada a quarentena, dá para parar e analisar melhor o que aconteceu.

Sem paixões partidárias observa-se que foi correta a decisão do atual prefeito de ser o primeiro do país a fechar o Aeroporto e o Porto da cidade a aviões e navios de passageiros procedentes do exterior, contribuindo para evitar dificuldades ainda maiores. Da mesma forma foi correta, ousada e inimaginável até então, a construção de sete hospitais de campanha em agilidade chinesa, bem como a providencial aquisição no mercado internacional de equipamentos e materiais suficientes para que não se morresse por falta deles.

Há muito a se fazer ainda e a pandemia não está sob controle. A reabertura precisa ser lenta o suficiente para que não venhamos a chorar pelo leite derramado. Mas, em termos de ação e providência do poder público até o momento, no que tange à assistência às vitimas, não parece ter algo a se reclamar.

Erros aconteceram, todos sabem, nos processos licitatórios, já reconhecidos pelo próprio prefeito e que cabe aos órgãos de controle apurar, mas, neste momento, o Recife – como informaram há poucos dias  especialistas nacionais em gestão de crise – tem dado exemplo de como lidar com o novo coronavirus. E a boa nova não veio de uma capital do rico Sudeste, mas, de uma cidade nordestina pobre e com enormes desigualdades sociais. Não é pouco.

Demonstrou-se, mais uma vez, que o saco se manteve de pé porque não estava vazio.

*Terezinha Nunes é jornalista e ex-deputada estadual.

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