Peculiaridade paternal

Por

Vera Rocha*

Em 09.08.2020

Quantas vezes ao mergulhar no passado me vêm à memória momentos engraçados vivenciados por meus pais. O meu pai era um caboclo vaidoso e antes de sair de casa ficava horas em frente ao espelho a pentear o vasto bigode, as sobrancelhas cheias e os negros cabelos ondulados que ele os penteava com os dedos. A minha mãe, impaciente, gritava da porta: – Lá vem o ônibus, Joaquim. Ele muito calmamente respondia: – Deixe ele passar, num tem só esse.

A preocupação da minha mãe era com a escassez de transportes da época.

Nas noites de medo e insegurança, quando, assustada, gritava do meu quarto pedindo para ficar com ele, a resposta era sempre positiva. Ele consentia. Eu atravessava o corredor com o coração aos saltos, me enfiava entre os dois e dormia em segurança.

Quanta lição no dia em que ele me deu umas palmadas (de faz de conta, percebo agora) e foi só aquela vez. Como foi didático ao me castigar! Me falou com firmeza: – Você vai apanhar pra deixar de ser teimosa. Esses e muitos outros episódios nunca me saíram da memória, apesar do tempo. Eu ainda era criança quando ele fez a grande viagem.

Mas se você não tem boas lembranças do seu genitor, ou se tem a consciência de que não foi ou não é o pai que deveria ser, não se angustie, pois de tudo devemos tirar lições. Passe a ser, a partir de hoje, para seu filho ou sua filha, o pai que gostaria de ter. Aproveite o momento atual, tão propício a repensar ações cotidianas e viva a missão da paternidade com a honradez e o respeito que lhe são peculiares.

*Vera Rocha é escritora, poeta, psicopedagoga, autora do livro “A cidade vista da minha janela & outros olhares” e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve aos domingos.
Foto destaque: comunhao.com.br