Deu uma saudade danada da Star

Por

Otávio Toscano*

Em 10.08.2020

Dentro de casa desde março, fica difícil pensar em algo para escrever que fuja ao tema do coronavírus e suas consequências devastadoras. Principalmente agora, que chegamos à absurda marca dos 100 mil mortos. Para se ter uma ideia do que isso representa, são mais de “dois maracanãs” abarrotados de gente, Gente que partiu sem direito a se despedir das pessoas queridas. Pessoas queridas que sequer puderam dar um último adeus no sepultamento. Há também que se discutir o desespero de quem está no sufoco, sem ter como colocar seu empreendimento para moer. Pequenos negócios que estão desaparecendo.

Um bom exemplo pra mim foi a banca do Júnior. Cravada no cruzamento da Avenida Manoel Borba com a Dom Bosco, no bairro da Boa Vista, Centro do Recife, o estabelecimento estava ali desde os anos 1960. Passou de pai para filho, vinha resistindo como podia à decadência do jornalismo impresso, mas na semana que passou foi arrancada da paisagem, após quatro meses servindo apenas como abrigo para os moradores de rua que se multiplicam nesta área da cidade.

Então, pensando nestes estabelecimentos, me veio à mente um tema menos árido. Outro negócio que se foi, no ano de 2015 e, portanto, sem nenhuma relação com a pandemia. A velha e boa Cantina Star. Ponto de parada oficial na madrugada do Recife, o restaurante não apenas marcou a vida de milhares de boêmios anônimos, como fez parte da história da cidade e, por que não, da própria luta pelo restabelecimento da democracia no País, assim como de movimentos culturais importantes.

Aberta nos anos 1960, a Star serviu como ponto de partida para que Frei Miguelinho, no Agreste, passasse a ser conhecida como a Terra do Garçom, alcunha que já virou uma tradicional festa na cidade, reunindo milhares de pessoas todos os anos. A Cantina, que foi formada por filhos da cidade desde o dono aos cozinheiros, faxineiros e o pessoal do atendimento, não fechava. Apenas dava um tempo, das 9h às 10h, na troca de turno dos funcionários. No mais, as portas ficavam abertas para a chegada do público.

Vizinha do antigo MDB, a Star recebia jovens combatentes da ditadura militar. Como um dia me contou o hoje secretário de Justiça, Pedro Eurico, eram tempos de vacas magras, muitos ainda estudantes, e algumas vezes eram obrigados a dividir uma macarronada com ovo com algum companheiro. Também passavam por suas mesas muitos artistas em início de carreira. Em entrevista a Jô Soares, perguntado como havia conhecido Geraldo Azevedo, Alceu Valença contou que estava no restaurante quando o garçom João, o “Gordo”, figura querida que marcou época na casa, lhe falou: “Alceu, você vai gostar de conhecer aquele outro rapaz alí”. Feitas as apresentações, a amizade se confirmou e o que se viu foram páginas e mais páginas da história da música pernambucana serem escritas a partir daquele encontro.

No entanto, o movimento que fazia o lugar fervilhar madrugada a dentro, sem hora para fechar, era dos boêmios. Parada obrigatória para quem queria tomar a saideira e fazer uma boquinha antes de chegar em casa, o restaurante tinha um cardápio com sua base mais forte nos filés. E, nem mesmo quando a carne sumiu dos frigoríficos durante o Governo Sarney, o produto faltou na sua cozinha. Fruto dos fortes contatos que o proprietário, Seu Manoel, mantinha com os fornecedores. No entanto, com a morte do fundador, desavenças familiares acabaram fechando as “infecháveis” portas da cantina, deixando nos mais assíduos frequentadores uma saudade imensa do tempero, das conversas e das histórias da Cantina Star.

*Otávio Toscano é jornalista. Escreve às segundas-feiras.