Quero um isolamento social à vera

Por

Otávio Toscano*

Em 18.08.2020

Tá tudo muito estranho, estranho demais. Vontade de desligar computador, celular, televisão… Um isolamento social à vera. Toda hora é uma coisa que não dá pra acreditar que está acontecendo. Se isso é o tal do novo normal que tanto se falou no início da pandemia, quero meu ingresso de volta. Filme errado. Ver pessoas chamando de assassina, em nome de Deus, uma criança de 10 anos, porque sua família fez fazer valer o direito legal de interromper uma gravidez fruto de um estupro que já acontecia há quatro anos, sem que ninguém pedisse “JUSTIÇA” para punir o sacripanta que fez isso com ela. Justo ela, quase um bebê ainda, que não entende nada do que aconteceu, que não tem a menor noção do que é ser mãe, que é uma vítima. Assassinas da dignidade humana são essas pessoas que foram dar espetáculo na porta da maternidade.

É tudo tão troncho que às vezes a raiva vai dando lugar pra decepção, o que é terrível. Bom mesmo é partir pra cima dessas demonstrações de ódio com ódio mesmo. E isso é só um exemplo no que está se transformando esse país. Jogos do Campeonato Brasileiro sendo cancelados porque jogadores são testados e dando positivo pra Covid-19. O detalhe é que até fazer o teste e ver que não podem ir a campo, os atletas já pegaram avião, misturados com os demais passageiros, já ficaram em hotel, circulando pelos corredores com os outros hóspedes, já treinaram com os colegas de equipe. Já espalharam o vírus pra todo lado. Sei que são milhões e milhões investidos. Mas, já está visto que passado ou presente de atleta não intimida a doença. E quando morrer o primeiro ídolo de uma equipe? Vão finalmente parar com essa maluquice?

E uma das discussões do momento é a volta às aulas. A pressão dos donos de escolas é grande e eles têm direito de estar em pânico. Há contas a serem pagas. Mas, para quem vai ser enviada a fatura quando uma turma de crianças for infectada? O colégio inteiro? Sinto uma falta danada do meu programa de dias de semana, por volta das 22h. Fumar um cigarro ouvindo a algazarra dos estudantes do interior esperando a saída dos ônibus que levavam e traziam eles todos os dias para as faculdades do Recife. Gente cantando, gargalhando. Jovens felizes. E olha que tinha gente que ia para São José da Coroa Grande e outros lugares tão longe quanto. Naquela hora da noite. A grande maioria tendo que trabalhar na manhã seguinte. Mas a felicidade deles era contagiante.

Todos precisam aceitar que 2020 vai entrar para a história como o ano que não começou. Espero que pelo menos termine.

Óbvio que quero voltar a vê-los. Mas, não é o momento. Todos precisam aceitar que 2020 vai entrar para a história como o ano que não começou. Espero que pelo menos termine. Para que finalmente nos casos de estupro o criminoso seja o estuprador, que os estádios voltem a ter torcida, porque a população mundial foi vacinada, para que os estudantes voltem às salas de aula para buscar conhecimento e não doença. Para que as pessoas parem de usar o nome de Deus em vão, como me ensinaram desde sempre.

*Otávio Toscano é jornalista.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do  blog Falou e Disse.