Contágio por coronavírus: o que é o viés matemático que dificulta o combate à pandemia de covid-19

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Imagine que seu banco lhe oferece um investimento pelo qual seu dinheiro vai dobrar a cada três dias. Se você investir apenas R$ 1 hoje, quanto tempo levará para se tornar um milionário?

A resposta precisa são 60 dias a partir do seu investimento inicial, quando seu saldo seria de exatamente R$ 1.048.576.

Depois de outros 30 dias, você teria mais de R$ 1 bilhão na conta. E depois de um ano, R$ 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.

Se você não acertou a resposta, fique tranquilo. Muitas pessoas têm dificuldade de raciocinar sobre crescimento exponencial, o que pode nos levar a subestimar seus efeitos no longo prazo.

Isso é conhecido como “viés do crescimento exponencial” e pode ter tido consequências profundas no comportamento das pessoas durante a pandemia de covid-19.

Vários estudos mostraram que as pessoas suscetíveis ao viés de crescimento exponencial estão menos preocupadas com a disseminação do novo coronavírus e são menos propensas a apoiar medidas como distanciamento social ou uso de máscaras.

Em outras palavras, esse simples erro matemático pode estar custando vidas, o que significa que corrigir o viés deve ser uma prioridade nas tentativas de “achatar” as curvas e evitar as segundas ondas da pandemia em todo o mundo.

Uma lenda indiana

Para entender as origens desse viés específico, devemos primeiro levar em conta os diferentes tipos de crescimento.

O mais conhecido é o crescimento “linear”. Se o seu jardim produz três maçãs todos os dias, você tem seis depois de dois dias, nove depois de três dias e assim por diante.

Mas o crescimento exponencial se acelera ao longo do tempo. Se você tem uma erva daninha no jardim que triplica a cada dia, o número de plantas pode ser baixo no início, chegando a três no segundo dia e nove no terceiro dia.

Mas em breve aumentará significativamente.

Com crescimento exponencial, no quarto dia já serão 27 plantas – contra 12 que seriam no caso do crescimento linear. E assim sucessivamente.

Nossa tendência a ignorar o crescimento exponencial é conhecida há milênios.

De acordo com uma lenda indiana, o brâmane Sissa ibn Dahir, membro da casta sacerdotal, recebeu um prêmio por inventar uma versão inicial do xadrez.

Como recompensa, o brâmane pediu que um grão de trigo fosse colocado no primeiro quadrado do tabuleiro, dois no segundo quadrado, quatro no terceiro quadrado e assim por diante, dobrando o número de grãos de cada vez até o quadrado 64.

O rei aparentemente riu da humildade do pedido de ibn Dahir, até que seus tesoureiros relataram que excederia toda a comida do reino (18.446.744.073.709.551.615 grãos no total).

Crescimento linear

Foi apenas no final dos anos 2000 que os cientistas começaram a estudar formalmente esse viés.

A maioria das pessoas supõe intuitivamente que o crescimento é linear, o que leva a subestimar significativamente a taxa de crescimento exponencial.

Os estudos iniciais focaram principalmente nas consequências para o nosso saldo bancário.

A maioria das contas de poupança oferece juros compostos, o que significa que você acumula juros adicionais sobre os juros que já ganhou.

Esse é um exemplo clássico de crescimento exponencial e significa que, mesmo com taxas de juros baixas, o seu rendimento vai aumentar significativamente com o tempo.

Esse viés também torna as pessoas mais vulneráveis a empréstimos com altas taxas de juros, nos quais a dívida aumenta com o tempo.

A armadilha da educação

Surpreendentemente, um nível mais alto de educação não impede as pessoas de cometer esses erros.

Mesmo estudantes de ciências com formação em matemática podem ser vulneráveis, diz Daniela Sele, que pesquisa a tomada de decisões econômicas no Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique. “Ajuda um pouco, mas não evita esse viés”, diz ela.

Isso pode ser porque eles confiam na intuição em vez do pensamento deliberativo, de modo que, mesmo que tenham aprendido coisas como o que são juros compostos, se esquecem de aplicá-los.

Para piorar as coisas, a maioria das pessoas dirá com segurança que entende o crescimento exponencial, mas não sabe fazer contas com juros compostos.

Como explorei em meu livro The Intelligence Trap (A Armadilha da Inteligência, em tradução livre), pessoas inteligentes e educadas muitas vezes têm um “ponto cego de viés”, o que as faz acreditar que são menos suscetíveis a erros do que outras, e o viés de crescimento exponencial parece cair nesse ponto cego.

Covid-19

Com a pandemia de covid-19, os pesquisadores começaram a se perguntar se o viés também poderia influenciar nossa compreensão das doenças infecciosas.

De acordo com diversos estudos epidemiológicos, se não houver intervenção, o número de novos casos de covid-19 dobra a cada três ou quatro dias, razão pela qual tantos cientistas aconselham o confinamento rápido.

Em março, pesquisadores alemães fizeram questionários virtuais para perguntar às pessoas sobre a possível disseminação da doença.

Seus resultados mostraram que o viés de crescimento exponencial prevalecia na compreensão das pessoas sobre a disseminação do vírus, e que a maioria delas subestimou enormemente a taxa de aumento.

Mais importante, a equipe descobriu que essas crenças estavam diretamente relacionadas às opiniões dos participantes sobre as melhores maneiras de conter a propagação.

Quanto piores suas estimativas, menos propensos a compreender a necessidade de distanciamento social: o viés de crescimento exponencial os tornou menos obedientes às recomendações oficiais.

Cobertura da imprensa

Essa conclusão é consistente com outras descobertas de Ritwik Banerjee e Priyama Majumda, do Instituto Indiano de Administração, em Bangalore, na Índia, e de Joydeep Bhattacharya, da Universidade Estadual de Iowa, nos EUA.

Em seu estudo, eles descobriram que o viés do crescimento exponencial pode reduzir o nível de cumprimento das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), incluindo o uso de máscaras, lavar as mãos e auto-isolamento.

Gráficos geralmente não refletem bem crescimento exponencial do contágio de covid-19, dizem estudiosos

Os pesquisadores especulam que algumas das representações gráficas da taxa de contágio encontradas em reportagens jornalísticas podem ter sido contraproducentes, dando a impressão de que o crescimento exponencial parece mais linear do que realmente é, o que poderia reforçar o viés de crescimento exponencial.

Crescimento em pouco tempo

A boa notícia é que as opiniões das pessoas são maleáveis.

Quando Lammers e seus colegas lembraram aos participantes do viés de crescimento exponencial e lhes pediram para estimar o crescimento da doença em duas semanas, as pessoas melhoraram muito suas estimativas e mudaram suas visões sobre o distanciamento social.

Enquanto isso, Sele mostrou recentemente que pequenas mudanças na comunicação podem ser importantes.

Enfatizar o curto tempo que levará para atingir um grande número de casos, por exemplo, e o tempo que seria ganho com medidas de distanciamento social, melhora a compreensão das pessoas sobre a aceleração do crescimento.

Lammers acredita que o caráter exponencial da disseminação do vírus deve ser destacado na cobertura da pandemia.

A mídia “não deve apenas divulgar os números do dia e da semana anterior, mas também explicar o que vai acontecer nos próximos dias, semanas, meses, se o mesmo crescimento acelerado persistir”, afirma.

Segundo ele, mesmo um pequeno esforço para corrigir esse viés pode trazer enormes benefícios. Nos EUA, país mais fortemente atingido pela pandemia, foram necessários apenas alguns meses para o vírus infectar mais de 5 milhões de pessoas, diz ele.

“Se tivéssemos superado o viés de crescimento exponencial e convencido a todos desse risco em março, tenho certeza que 99% teriam tomado todas as medidas de distanciamento possíveis.”

*David Robson é autor do livro “The Intelligence Trap: Why Smart People Do Dumb Things” (“A Armadilha da Inteligência: Por que Pessoas Inteligentes Fazem Coisas Estúpidas”, em tradução livre para o português”), que analisa a psicologia do pensamento irracional e as melhores maneiras de tomar decisões mais sábias. Seu artigo original foi publicado no site BBC Future, que você pode ler aqui.