Taperas da língua

Por

Eugenio Jerônimo*

Em 03.10.2020

Foi Guimarães Rosa quem metaforizou o lugar-comum. Segundo o escritor, trata-se das taperas do idioma. Nas comunicações cotidianas, essas frases feitas e desgastadas pelas intempéries da repetição dão segurança aos falantes, mas, em qualquer uso da língua que se erga do feijão com arroz comunicativo, seu emprego faz o texto paupérrimo.

Qualquer opção para descrever o mover-se de um rio é melhor que dizer “o rio serpenteia”. “Perda irreparável” é outra construção deteriorada pela utilização. A primeira, de um Romantismo decalcado; a segunda, de um Realismo de segunda mão.

O efeito de lugares-comuns sobre outras áreas pode nos ajudar a ver as ruínas que eles produzem na linguagem verbal.

Na pintura. Um casal se beija num barquinho que rema sozinho para um pôr de sol carregado nas tintas lúgubres no final de um rio de águas pacientes. Ah, sim. Ia esquecendo da sacra gaivota circulando em torno da bola do sol alaranjada. Que tal se a gaivota sequestrasse a moça, ou o rapaz?

No futebol. O passe óbvio. A jogada de segurança. Se essas jogadas minimizam o risco, impossibilitam a plástica.

Alargando-se o sentido, as frases feitas existem também no jeito de viver. Na vida, essa atitude corresponde a percorrer os caminhos já andados. A só atravessar os rios pelas pontes. A não descobrir novas rotas. A não aceitar o desafio das águas, com a possibilidade de encontrar margens inéditas. O percurso confere segurança, mas também mediocridade.

Com as muletas dos lugares-comuns ninguém cai, mas também não executa cambalhotas. Com elas não se faz arte. Nem vida.

*Eugenio Jerônimo é escritor. Autor de Aluga-se janela para suicidas (2009, contos); Gramática do chover no Sertão (poesia, 2016); O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017, biografia – em coautoria). Escreve aos sábados.