“O que eu disse e o que me disseram”, o livro de Geraldo Freire

Por

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado no Diario de Pernambuco em 08/06/2020

Geraldo Freire exibe seu livro escrito em parceria com Eugenio Jerônimo

A leitura do livro de Geraldo começou por semear a cizânia entre Patrícia e eu. Ambos lendo o mesmo volume em plena quarentena. Quem o pegava primeiro, não queria largar. o livro começa com uma bela apresentação de Xico Sá e traz uma narrativa da vida de Geraldo feita por Eugenio Jerônimo. Que descreve a trajetória do biografado com uma grande capacidade para sintetizar fatos reveladores da sua natureza. O relato mostra que Geraldo entende de gente. Primeiro porque vive intensamente. Solto no mundo desde os 5 anos, órfão de Odília, a mãe precocemente falecida. Aos 9 anos, ousou mudar o destino que o teria prendido à roça em sítios como Fundão de Dentro e Canela de Ema. Ou em pequenas vilas como a de Cimbres, em Pesqueira. Fugindo de trem, sozinho, chega à cidade grande. Vai bater na casa das tias, em Água Fria. Disposto, começa fazendo pequenos serviços. Mas o talento para a comunicação fê-lo atrair-se pelo rádio. Rádios Repórter, Jornal, Clube, Olinda, Capibaribe, Globo. Voltando com frequência para umas e outras. Sempre inovando na programação e conquistando a liderança da audiência. Arguto intérprete do gosto do povo. Porque ele próprio é a pura expressão da alma da nossa gente. No linguajar, no apreciar nossos gostos, inclusive os etílicos. No duvidar dos metidos a sabichões. No entender o que há de comum nesse grande mosaico de diversidade do bicho homem. E por entender, como poucos, suas fraquezas, vilanias e apetites. Mas por entender, também, a grande capacidade humana por gestos de empatia e solidariedade. Dos quais a sua vida é farta de exemplos pessoais, embora nunca os proclame. Pois sabe que, arados ao vento, perderiam em autenticidade do impulso generoso.

Na segunda parte, Geraldo apresenta pequenas crônicas dos seus diálogos de comunicador ou de suas leituras. Deliciosas sínteses e observações dos personagens que compõem nosso quotidiano. Mas também nosso imaginário. Na música, seja a erudita seja a popular. Nas artes, no esporte, na política, na literatura, na ciência. Haja universalidade. Brinda o leitor com um repositório da sabedoria popular e da cultura do nosso povo. Ele que sempre valorizou e apoiou a cultura nordestina, sobretudo a nossa música de raiz. Dialogando com os grandes cancioneiros populares que tanto aprecia. Os mestres cantadores do repente. Do quilate de Pinto do Monteiro, Ivanildo Vilanova, Lourival Batista, Aderaldo, Geraldo Amâncio e Waldir Teles.  É um livro que reúne tiradas, frases e piadas que revelam a engenhosidade, argúcia e resiliência da nossa gente. Que são servidas ao leitor misturadas com causos e sacadas de gente de todos os meios. Populares ou eruditos. Ou simplesmente espirituosos. Geraldo mostra saber capturar o que há de interessante no que escuta, lê ou pensa. Por isso, consegue revelar os aspectos pitorescos da nossa realidade e da loucura humana. É livro de um autêntico e talentoso observador de pessoas. Capaz de capturar o que elas fazem de inusitado, engraçado ou abjeto. Assim ele revela o mosaico humano do nosso tempo. O que o faz o comunicador da maioria. Por onde andou. De minha parte, apaixonado pelo rádio que sou desde quando ganhei de papai um Philco Transglobe de 12 faixas, por onde ando, ligo o rádio. O que me ajudou também a compreender a alma do povo. Até a aprender a língua de países onde estudei e trabalhei. Ao mesmo tempo que entendia o que se passava, ouvindo a fala das pessoas do lugar. Posso testemunhar que, nesses mais de quarenta anos de vida de ouvinte, nunca vi um comunicador mais talentoso. Ao fim da leitura de suas 480 páginas, o leitor só tem que reclamar por que a narrativa parou. Parou por quê?