O livro é como uma nave espacial
Jénerson Alves*
Em 29.10.2021
Fui um garoto tímido. A língua presa retardou um pouco do meu desenvolvimento fonador. Também fui acometido por algumas enfermidades na infância. Falava pouco, brincava menos. Foi neste contexto em que comecei uma amizade que perdura por longos anos. Descobri que era possível desbravar outros mundos, viver outras vidas – mais legais e emocionantes do que a minha.
Sim, desde cedo percebi o poder supremo que há em uma boa leitura. Ler é mais do que unir letras e formar palavras, é dialogar com outras terras, outros tempos. O livro é como um veículo para essas viagens. Talvez como uma Tardis, a nave espacial do Doctor Who (personagem de uma série britânica da BBC). Na ficção, a Tardis é um ser vivo. Acredito que os livros também sejam criaturas vivas.
Você já reparou que em cada livro há ‘camadas de histórias’? Permita-me exemplificar. Tenho um exemplar de um livro de sonetos de Shakespeare, mas nele há, para mim, algo mais belo do que os versos do autor inglês. É que o meu pai leu-o antes de mim, e há sutis marcações feitas por ele em algumas páginas. Esse livro, em específico, conecta-me não apenas ao autor de ‘Romeu e Julieta’, mas traz em si partículas da minha vida, do meu pai (que hoje está no Reino onde leituras não são mais necessárias).
Fenômenos semelhantes ocorrem com outras obras. Há livros manchados pelas minhas lágrimas. Há livros que me acompanharam em momentos tenebrosos. Há livros que ajudaram a enfeitar situações já belas. Os livros abrem portas para outras vidas, mas sobretudo abrem portas para nossa própria vida. Eles são como naves espaciais, guiando-nos ao universo que está dentro de nós. Eles transformam nosso olhar. E isso muda tudo.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Comfreak/Pixabay