A queima, no século XVI, do holandês anabatista Anneken Hendriks, que foi acusado de heresia pela Inquisição espanhola

Os ‘desigrejados’ ou os que não querem mais saber de igrejas

Por

Erivaldo Alves
07/03/2020 |1:48:27 AM

Em 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou no censo o contingente de quatro milhões de brasileiros que se declararam evangélicos sem vínculos institucionais ou ‘desigrejados’, sem igrejas.

“Esse movimento atual, surpreendentemente, não está deflagrado por intelectuais ou céticos, mas por cristãos que fazem e ou já fizeram parte de alguma igreja cristã” (Idauro Campos, BV Films Editora, Niterói – RJ, 2017).

Os teóricos desse “movimento dos sem igrejas”, o norte americano Frank Viola e o brasileiro Caio Fábio, dizem que ele denuncia os caminhos que o cristianismo tomou com a hierarquização, o formalismo e os escândalos de suas lideranças envolvendo dinheiro, sexo e poder. Por outro lado, autores como Zygmunt Bauman explicam esse fenômeno pela visão de uma sociedade líquida nessa pós-modernidade. As certezas da Idade Média viraram incertezas na atualidade.

“São milhões os feridos em nome de Deus”, diz Marília César Camargo (São Paulo, Mundo Cristão, 2005). Mas um dos focos do movimento gira em torno do descontentamento à tríade: templo, sacerdotes e sermões. Afirmam: “Nada têm com os ensinos de Jesus”.

Frank Viola explica: “Uma fé que se reunia em humildes estruturas passou de repente a ser abrigada por magníficos edifícios públicos. A nova Igreja de são Pedro, em Roma, teve como modelo a forma de basílica usada para os salões do trono imperial” (Cristianismo Pagão, São Paulo, Abba Press, 2008).

“São milhões os

feridos em

nome de Deus”
Marília César Camargo
(São Paulo, Mundo Cristão, 2005).

É fato que os ‘desigrejados’ chamam a atenção da mídia cristã e também secular, mas que está longe de ser uma novidade na história da igreja, pois no decorrer de dois mil anos desta, não foram poucas as tentativas de ruptura com o seguimento da igreja majoritária da igreja cristã. Só pra citar – o montanismo em 155 d.C, que advertia quanto ao formalismo e a liderança sem direção divina no seio da igreja; os pais do deserto, também chamados monges dos deserto, no IV século, que se revoltaram contra a adesão do cristianismo ao imperador Constantino (272-377); os anabatistas, do século XVI, que desejavam distinção entre a igreja e o Estado e não se consideravam nem católicos e nem protestantes (na imagem acima de destaque um registro da queima no século XVI do holandês anabatista Anneken Hendriks, que foi acusado de heresia pela Inquisição espanhola.) Reuniam-se em casas abandonadas, em barcos, em matas e negavam-se a se submeter à liderança oficial, como também não aceitavam a prática do dízimo.

A síntese que se chega frente ao exposto é a seguinte: a igreja despida de toda organização e materialidade é algo utópico. O templo, o dia santo, os sacerdotes, não são obstáculos asfixiantes para a vida da igreja. O problema não está nas formas, mas, sim, no homem que as valorizam além de sua real importância. Muitos dos grupos de ‘desigrejados’ se dissolvem pela falta de uma simples estrutura funcional. A crise de pertencimento, o relativismo, o pluralismo influenciam a todos nós dentro ou fora da igreja.

*Erivaldo Alves é pastor Batista com formação nas áreas Teológica, Filosófica, Gestão Escolar e Capelania. É membro da Academia Cabense de Letras.

 


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