CEPAL: um terço do emprego formal e um quarto do PIB da América Latina serão afetados pela pandemia

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A CEPAL estima que serão fechadas mais de 2,7 milhões de empresas formais na região, das quais 2,6 milhões microempresas. Isso irá gerar uma perda de 8,5 milhões de empregos, Foto: ONU

Redação, com Agência CEPAL

EM 03.07.2020

Um estudo divulgado ontem pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) indica que mais de um terço do emprego formal e um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe serão afetados pela pandemia, pois são gerados em setores fortemente atingidos pela crise econômica decorrente da Covid-19. Apenas um quinto do emprego e do PIB se concentram em setores cujo impacto deverá se dar de forma moderada.

O relatório especial COVID-19 N⁰ 4 “Setores e empresas diante da COVID-19: emergência e retomada” foi apresentado pela secretária-executiva do organismo regional, Alicia Bárcena, em coletiva de imprensa virtual realizada em sua sede em Santiago, Chile.

A crise econômica decorrente da pandemia tem levado à suspensão total ou parcial das atividades produtivas. No relatório, são identificados três grupos de setores de acordo com a magnitude dos efeitos da crise (fortes, significativos e moderados).

Os setores mais afetados são o comércio atacadista e varejista; as atividades comunitárias sociais e pessoais; hotéis e restaurantes; atividades imobiliárias, empresariais e de aluguel, e as manufatureiras.

A crise atinge com maior intensidade os setores industriais potencialmente com maior dinamismo tecnológico e, portanto, “aprofundará os problemas estruturais das economias da região”, alertou Bárcena na apresentação do relatório.

“Isso significa que, se não forem implementadas políticas adequadas para fortalecer esses ramos produtivos, existe uma alta probabilidade de que uma mudança estrutural regressiva seja gerada, o que levaria à reprimarização das economias da região.”

Segundo o estudo, a maioria das empresas da região teve quedas significativas de receitas e apresenta dificuldades em manter suas atividades, pois têm sérios problemas no cumprimento de suas obrigações salariais e financeiras e dificuldades no acesso a financiamento.

De acordo com as informações coletadas até a primeira semana de junho, o impacto será muito maior no caso das micro, pequenas e médias empresas. A CEPAL estima que serão fechadas mais de 2,7 milhões de empresas formais na região, das quais 2,6 milhões microempresas. Isso irá gerar uma perda de 8,5 milhões de empregos, sem incluir as reduções de empregos promovidas pelas empresas que continuarão a operar.

O impacto será muito diferente dependendo do setor e do tipo de empresa. Vários dos setores fortemente afetados, como o comércio, hotéis e restaurantes, contam com uma grande quantidade de micro e pequenas empresas, que serão as mais atingidas. Por exemplo, o comércio perderá 1,4 milhões de empresas e 4 milhões de empregos formais, enquanto o turismo perderá pelo menos 290 mil empresas e 1 milhão de empregos.

Desde março de 2020, para sustentar a estrutura produtiva e evitar a perda de empregos e a destruição de capacidades nas empresas, os governos anunciaram um amplo conjunto de medidas.

A CEPAL identificou 351 ações, agrupadas em seis categorias de acordo com seus objetivos: liquidez, crédito, ajuda direta, proteção ao emprego, apoio à produção e exportações. Os detalhes sobre todas elas estão disponíveis no Observatório COVID-19, que a CEPAL implementou para atender às necessidades de seus países-membros.

O adiamento dos pagamentos e a melhora no acesso ao crédito têm sido as ações mais frequentes para enfrentar a emergência gerada pela atual crise. Essas medidas pressupõem que as empresas gerarão lucros com os quais pagarão os créditos e os impostos e pagamentos diferidos, mas as perspectivas não indicam que isso acontecerá em um prazo de alguns anos, já que, muito provavelmente, a recuperação do setor empresarial será lenta e gradual, alertou a CEPAL.

Diante dessa situação, o organismo regional enfatiza a necessidade de dar uma resposta em grande escala para evitar a destruição de capacidades produtivas. Para isso, propõe quatro conjuntos de medidas:

1. Ampliar os prazos e os alcances das linhas de intervenção em termos de liquidez e financiamento para as empresas.

2. Cofinanciar a folha de pagamento das empresas durante seis meses para evitar a destruição de capacidades.

3. Realizar transferências diretas para os trabalhadores autônomos.

4. Apoiar as grandes empresas de setores estratégicos gravemente afetadas pela crise.

Particularmente, a CEPAL defende o adiamento ou cancelamento de pagamentos de impostos, contribuições para a previdência e contribuições territoriais, ou adiantamento de devoluções de impostos pelo menos até o final de 2020, bem como a suspensão do pagamento dos serviços básicos (luz, internet e gás) sem pagamento de multas, até o final de 2020.

Propõe, também, a flexibilização das condições de crédito aumentando os períodos de carência para pelo menos um ano e os prazos para cinco anos ou mais, além de reforçar as operações de crédito por meio do banco de desenvolvimento.

O cofinanciamento da folha de pagamento ocorreria em diferentes proporções, segundo o tamanho da empresa, de 30% para as grandes até 80% para as microempresas. Estima-se que esta medida teria um custo equivalente a 2,7% do PIB regional. Por outro lado, as transferências em dinheiro para 15 milhões de trabalhadores custariam 0,8% do PIB.

Do mesmo modo, a comissão ressalta que é necessário ter em conta o importante papel desempenhado pelas grandes empresas, uma vez que proveem 39% do emprego formal e mais de 90% das exportações.

Entre as medidas para a retomada, a CEPAL inclui, além do cofinanciamento da folha de pagamento e das melhores condições de acesso ao crédito, a possibilidade de que o Estado participe na recapitalização de grandes empresas de setores estratégicos. Nesse âmbito, também é relevante aumentar a eficiência, a transparência e a regulação dos mercados de capitais.

Essas propostas complementam as já anunciadas anteriormente pela CEPAL: a provisão de uma renda básica de emergência equivalente ao valor de uma linha regional de pobreza por seis meses para toda a população da América Latina e do Caribe em situação de pobreza, e a provisão de um bônus contra a fome equivalente a 70% da linha de extrema pobreza regional.

A renda básica de emergência, o bônus contra a fome e o apoio às empresas e ao emprego são um conjunto articulado medidas. A renda básica e o bônus contra a fome buscam proteger setores vulneráveis e reduzir a queda da demanda com os consequentes impactos negativos menores nas empresas e no emprego. Por sua vez, as medidas de apoio às empresas permitem salvar empregos, evitando o aumento da pobreza e da extrema pobreza, reduzindo assim o custo das medidas de alcance social.

Segundo o relatório, a crise gerará mudanças no interior das empresas e na organização das cadeias produtivas. As novas tecnologias serão fundamentais no modelo de funcionamento das empresas.

“A busca por maior produtividade e eficiência devem avançar em direção a uma transformação sustentável e inclusiva. As políticas industriais ativas serão essenciais para evitar que a crise leve ao fechamento das empresas, perda de empregos e custos para o meio ambiente”, enfatizou Bárcena.

Nesse sentido, a CEPAL observa que as cadeias produtivas experimentariam uma profunda reorganização. As grandes empresas buscarão aumentar a resiliência nas redes de produção diversificando fornecedores em termos de países e empresas para reduzir sua vulnerabilidade, privilegiando fornecedores mais próximos (nearshoring) e realocando processos produtivos e tecnológicos estratégicos (reshoring). Da mesma forma, a ruptura das redes internacionais de fornecedores gera oportunidades para o desenvolvimento de capacidades nacionais e regionais, indica o relatório.

A secretária-executiva da CEPAL observou que a crise da COVID-19 destaca a necessidade de avançar em direção a um novo modelo de desenvolvimento. Por esse motivo, são necessárias “políticas que permitam atender a emergência e implementar uma estratégia para superar as debilidades estruturais das economias e sociedades”, declarou.