Mas do que mesmo se tem fome? 

Por
Tereza Soares*
Em 16.02.2022
Em todas as cidades interioranas estão destruindo os coretos das pracinhas para dar lugar a desocupados, pessoas cansadas, doentes e desanimadas que precisam só de bancos para sentar e respirar. Tudo o que eu temia se concretiza ou melhor, se desconcretiza, com perdas irreparáveis para a beleza e a arte. Vão-se embora com os ventos que chegam dos polos descongelantes, também as árvores seculares que registraram histórias em suas sombras magníficas e protetoras. A praça pública que tinha sua função de socializar perde o valor intrínseco de dar vez aos encontros, para descontentar os cidadãos com os ataques à mão armada e os tiroteios.
Praças que têm nome de poetas servem hoje de cenário de chacinas, ponto de coleta de lixo e parada de mototaxistas. Uma urbanização tão inconsequente e desumana quanto lamentável. É uma pena que o poeta Theo Silva, das décadas de 20 e 30 do século passado no Cabo de Santo Agostinho, não tenha sido poupado de tanta discriminação até post mortem. Quanta ingratidão neste advento simbólico porque nos diz sobre o periférico e o nobre.
É nesta praça da nossa cidade de tantos santos – além de Santo Agostinho também os copadroeiros Santo Antônio e São Sebastião – que fora fincada a capela chamada de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, mas que tem esse legado esquecido e nunca resgatado nas escolas locais. Mas é lá também, desafortunadamente, que surge hoje algo inexplicável para um logradouro que deveria ser considerado um patrimônio para os munícipes, um bar que se utiliza do espaço público para uma prática privada e comercial. Justo no local onde os escravos faziam suas orações, resgatando um recorte da triste sina desses descendentes do continente mãe, África, na era da escravidão.
Nada irônico, diria qualquer sociólogo que investiga o empobrecimento das culturas.
Os poetas são esquecidos em nome da fome, mas do que mesmo se tem fome? Se perdem no tempo suas linhas escritas para provocar, escandalizar ou encher de sonhos os que os lêem. A mim só resta lembrar-me, eu mesma, de que o voo de Theo Silva para o alto não deve desaparecer das nossas mentes férreas, mesmo que insistam que percamos o bonde da história.
Viva Theo Silva em sua praça pública de novo!
*Tereza Soares. Jornalista e Poetisa. É integrante da Academia Cabense de Letras, tendo como patrono em sua cadeira de número 10 o Poeta Theo Silva.