Lobato tem razão
Jénerson Alves*
Em 18.02.2022
Neste ano, comemora-se o centenário da Semana de Arte Moderna, que ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. O movimento, idealizado pelo pintor Di Cavalcanti, tornou-se um marco na luta pela renovação artística brasileira, deixando claro o desejo de ruptura com o passado e com o academicismo. Entretanto, chama a atenção que, com o passar dos tempos, os ideais modernistas foram cultivados e difundidos sobretudo na academia.
Os autores da Semana de 1922 afirmavam buscar, ainda, uma arte verdadeiramente nacional, que expressasse a essência do brasileiro. A esta ideia, subjaz a visão que nomes como Augusto dos Anjos, João do Rio, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato não produziam obras com uma estética autenticamente brasileira. Tanto é que a historiografia literária classifica tais autores como ‘pré-modernistas’, uma espécie de ‘abre alas’ para a geração de 22.
O autor e biógrafo Ruy Castro é um dos que olham de soslaio para esta afirmativa, e faz análises como a seguinte, em uma entrevista ao Correio Brasiliense: “Nas artes plásticas, em 1922, já existiam Vicente do Rego Monteiro e Ismael Nery. Em música, Villa-Lobos, Luciano Gallet, Pixinguinha, Sinhô, sem falar em Ernesto Nazareth. A Semana, portanto, arrombou uma porta aberta”.
Voltando ao campo literário, basta tomar o autor do Sítio do Picapau Amarelo como exemplo. Ora, para Gilberto Freire, “a figura de Monteiro Lobato há de guardá-la não apenas a história literária do Brasil, mas a própria história do povo e da nacionalidade brasileira; aquela história que às vezes é escrita com sangue”. O conhecimento de Lobato sobre o Brasil provinha de sua alma, não de estudos acadêmicos e forçados.
Não por acaso, o escritor foi um dos críticos da Semana de Arte Moderna, em especial à exposição da pintora Anita Malfatti. O autor reconhece os talentos vigorosos da pintora, mas se opõe ao movimento por ela defendido e declara: “Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador”.
Hoje, distante um século da Semana de Arte Moderna, podemos, com os ânimos acalmados, tirar conclusões equilibradas. Artistas de grande talento protagonizaram a Semana de 1922, a exemplo do polígrafo Mário de Andrade. Contudo, o ar ‘revolucionário’ que quiseram introduzir na produção artística brasileira chega a soar artificial. A autenticidade nacional voltou a ecoar nas obras de nomes como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Isso sem contar com as produções dos poetas regionais, como os cordelistas, que já traduziam a realidade circundante. Mesmo reconhecendo que posso ser rechaçado por alguns entusiastas herméticos e modernistas, sou obrigado a registrar: Lobato tinha (e continua tendo) razão.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
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