A literatura no livro ‘Chacina de Poção’
Jénerson Alves*
Em 25.03.2022
Não é de hoje que crimes e investigações povoam o imaginário popular. Esses fatos servem de mote para produções artísticas de variadas linguagens. Na literatura brasileira, vemos o despontar da narrativa policial com a publicação em capítulos de ‘O Mistério’, no Jornal A Folha, em 1920, escrito por Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e Viriato Corrêa. Mais recentemente, nomes da estirpe de Marçal Aquino, Jô Soares, Tony Belloto e Rubem Fonseca se debruçam no romance policial, enriquecendo nossa literatura.
Pensando neste cenário, uma nova obra surge no contexto pernambucano que, certamente, chamará a atenção de estudiosos da historiografia literária – quer seja no presente ou no porvir. Trata-se do livro ‘Chacina de Poção, a barbárie do Sítio Cafundó’, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A obra é de autoria de Erick Lessa, o delegado que investigou o assassinato de três conselheiros tutelares e uma idosa no município de Poção, agreste pernambucano, em 2015.
Nas páginas do livro, Lessa retrata os dilemas vivenciados na montagem do quebra-cabeças deste caso, que ganhou repercussão nacional e foi elucidado em 80 dias, revelando uma rara eficiência em um país marcado pela impunidade e leniência com a criminalidade. O lançamento ocorreu recentemente, no pacato município que há sete anos servira de palco para o brutal quádruplo homicídio. A cidade ainda aguarda o julgamento popular do caso, que se arrasta por tanto tempo.
Talvez, a obra inaugure um novo gênero – quiçá chamado ‘relato policial’, mesclando a realidade das investigações com aspectos literários na narrativa. Isso porque, ao longo do livro, é produzida uma conexão entre o leitor e o autor, que desvela suas tensões. Esse fenômeno de sintonia remete ao adágio latino ‘De te fabula narratur’, isto é, a história contada é a sua. Destarte, mais do que retratar em um fato, o livro proporciona ao leitor um mergulhar em si mesmo, enquanto suscita debates como a proteção à infância e as faces da violência.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto: Viliane Gomes/Divulgação.