Gente que partiu pra ficar

Por

Jénerson Alves*

Em 17.06.2022

Eu estava pensando no que escrever para a coluna desta semana quando recebi uma notificação no celular. Era uma mensagem do amigo jornalista Phelipe Reis, relembrando o recente lançamento do livro ‘Gente que partiu pra ficar – Memorial Covid Parintins’. Ele é um dos organizadores da obra, idealizada pela sua irmã – a professora Chiara Reis. O livro conta as 100 histórias de vida das vítimas da covid-19 no município de Parintins, estado do Amazonas.

Não sei se é porque estou demasiadamente emotivo, mas a mensagem me comoveu. Passou um filme pela minha cabeça, ao lembrar de tanta gente que partiu nos últimos dois anos. Pessoas que deixaram lacunas impreenchíveis. Amigos que ainda espero reencontrar pela rua, pois o mais profundo do meu ser não consegue aceitar que eles se foram.

Esse pensamento sobre a finitude serve como um espelho. Também eu partirei algum dia. Pode ser daqui a 100 anos, será breve. Se, por algum motivo – que nem sei explicar nem me atrevo a levantar hipóteses – tenho a graça de ainda estar com o coração pulsando, não posso olvidar que um dia a areia da ampulheta vai findar. E, quando partir, algo de mim ainda há de ficar. Da mesma forma, parece que algo da morte já se faz presente em vida.

No fundo, viver é um presente do qual um dia teremos de prestar contas. Em algum momento, o Crucificado olhará no fundo dos nossos olhos e ouvirá a resposta do nosso coração. O que sei, hoje, é que vida e morte bailam constantemente. Enquanto vivo, vou morrendo aos poucos. Ao pensar nisso, faço coro ao padre Raymond Bruckberger: “Minha vida é a gestação da morte. (…) Que ela amadureça nos flancos quentes de minha vida quotidiana, e que eu expire um dia nela”.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.  

Imagem: Divulgação