Com fechamento de escolas no Haiti, crianças ficam na mira de gangues armadas
ONU News
Em 05.07.2022
Aumento da violência em 2020 levou ao fechamento de escolas; menores mais vulneráveis são recrutados por bandidos e ameaçados; desde abril, meio milhão de alunos deixaram de estudar na capital, Porto Príncipe, onde cerca de 1,7 mil escolas estão fechadas, segundo o governo.
O aumento da criminalidade de gangues na capital do Haiti, Porto Príncipe, está limitando o acesso à educação e impedindo que milhares de crianças frequentem a escola. Desde 2020, a violência levou ao fechamento de escolas, aumento a vulnerabilidade dos menores, que são muitas vezes recrutados pelos grupos armados.
Steve*, um adolescente de 15 anos, sonhava em se tornar professor. Ele contou sua história desde quando a vida se transformou complemente. Devido ao aumento da violência relacionada a facções em seu bairro, sua escola foi fechada e Steve se viu sem rumo pelas ruas, à mercê de grupos armados. Ele conta que entrou para um grupo criminoso em fevereiro de 2021.
Recrutamento de crianças
De acordo com um relatório publicado por duas organizações locais focadas em jovens, 13% das crianças pesquisadas em um bairro da capital afirmaram que os membros das gangues armadas fizeram contato direto ou indireto com eles para tentar recrutá-los.
Segundo os relatos, eles oferecem muito dinheiro às crianças, enquanto ameaçam matá-las se não obedecerem.
De acordo com Steve, todos os dias ele era obrigado a vigiar a polícia e ganhava até 2.500 gourdes haitianos, ou US$ 25. Quando decidiu que não queria mais fazer o que mandavam, os membros do grupo armado o ameaçaram de morte.
Vítimas das gangues e infâncias quebradas
Em 2021, confrontos entre facções rivais eclodiram em algumas áreas urbanas da capital Porto Príncipe. Mais de 19 mil pessoas, incluindo 15 mil mulheres e crianças, foram forçadas a fugir de suas casas devido a atos de violência, como assassinatos e sequestros. Centenas de casas foram queimadas ou danificadas.
Este ano, a guerra de gangues se intensificou. Desde 24 de abril, meio milhão de crianças perderam o acesso à educação em Porto Príncipe, onde cerca de 1,7 mil escolas estão fechadas, como diz o governo.
Steve levava uma vida pacífica como uma criança suburbana. Ele brincava com seu irmão mais novo e duas irmãs mais novas, e aproveitou muito sua infância com sua avó.
Videogame e bicicleta
Ele lembra que costumava andar de bicicleta, jogar videogame e assistir e filmes até escurecer, buscava água a avó e também limpava a casa.
A violência está impactando um número cada vez maior de escolas e destruiu o sonho de muitas crianças. Uma avaliação do Ministério da Educação entre abril e maio de 2022 de 859 escolas em Porto Príncipe revelou que 31% delas foram atacadas e mais de 50 fecharam suas portas.
Muitos estabelecimentos de ensino foram ocupados por bandidos. Alguns servem de abrigo temporário para famílias deslocadas pela violência. O número de alunos nas aulas caiu de 238 mil no início da crise das gangues em abril para 184 mil agora.
Violações dos direitos da criança
Violência, fechamento de escolas e ociosidade levam à inclusão de crianças em grupos armados. Steve afirma que onde mora, sempre há tiroteios e muitos sequer podem sair de casa.
Com as escolas fechadas, ele afirma que “estão todos abandonados nas ruas” e as “crianças de rua” são os principais alvos das gangues.
Segundo o representante do Fundo das Nações Unidas para Infância, Unicef, dar armas às crianças para lutar e usá-las como soldados ou espiões é uma violação dos direitos da criança e condenada pelas leis nacionais e internacionais.
Bruno Maes afirma que se entristece que crianças dispostas a aprender e professores dispostos a educar não consigam estar nas escolas porque se sentem inseguras.
Para ele, as crianças devem poder frequentar a escola com segurança, brincar livremente, gostar de ser criança e ter a chance de desenvolver todo o seu potencial.
Steve, que é um nome fictício, foi preso e aguarda julgamento por acusações relacionadas ao tempo em que participou da gangue armada.
Enquanto está detido, ele está sendo ajudado pela Brigada para a Proteção de Menores, apoiada pelo Unicef.
*O nome de Steve foi mudado por questões de privacidade e segurança.
Foto destaque: UNDP Haiti/Borja Lopetegui Gonzalez –