As lições que chegam do Leblon

Por

Otávio Toscano*

Em 06.07.2020

Depois de mais de três meses me aguentando em casa, porque chega ao ponto em que a própria pessoa não se suporta mais com esse confinamento, chega do Rio de Janeiro, mais precisamente do Leblon, ponto dos descolados, ricos e agregados, a imagem que casa perfeitamente com a postura que o Brasil tem exportado nessa pandemia. Pessoas sem máscara, sem distância e sem nenhum tipo de compromisso social se aglomerando em barzinhos, colados um no outro, e ainda comemorando com expressões como “porra de máscara, porra de coronavírus. A gente quer é se divertir”.

O “honrado” locutor do vídeo que viralizou rapidamente nas redes sociais não deve estar nem um pouco preocupado com o fato de que, no meio daquelas centenas de pessoas curtindo a noite, pelo menos umas 50 voltaram para casa com o vírus no bolso. E, nos próximos 15 dias, estarão circulando pelas ruas do Rio de Janeiro, no trabalho, numa padaria, num supermercado, sem saber que estarão multiplicando o Covid-19 em velocidade espetacular. Quem sabe até uma empregada da casa onde mora pegue e leve pra sua comunidade, desassistida de infraestrutura, e lá faça o danado subir o morro com muito mais velocidade.

Como se trata de gente com bastante recursos, é bem provável também que muitos dos participantes da noitada peguem um avião para fechar algum negócio fora do Rio. Recife, Salvador, Fortaleza, quem sabe? E a tal da segunda onda da doença vai ganhando força para tomar as ruas antes mesmo que a primeira pense em bater em retirada.

E a festa do Leblon é apenas um exemplo. Aqui mesmo em Pernambuco, aglomerações em pontos comerciais, feiras livres e mesmo no meio da rua, em comemorações improvisadas, dão a entender que a população “encheu o saco” de ficar trancada. No meu entender, isso não é rebeldia, é burrice, pois ficar preso a sete palmos de terra é bem mais incômodo do que segurar as pontas por mais tempo.

Essas coisas me assustam, e apavoram ainda mais quando o presidente da República resolve, movido por sei lá que tipo de sentimento de ódio pelos seus eleitores, barrar a obrigatoriedade de uso de máscaras em locais de grande aglomeração, como comércio e igrejas. Não sei se por sadismo, por vontade de mostrar quem manda ou por puro desprezo pela vida humana. Não é o coronavírus que está nos matando, é a burrice mesmo. Não acredito em fim dos tempos. Muito menos em uma nova visão de mundo da sociedade que escapar disso tudo. A sociedade é feito Coca-Cola: é isso aí que a gente tá vendo.

*Otávio Toscano é jornalista. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.