Conversa de idoso
Jaques Cerqueira*
Em 19.07.2020
Costumo reservar as tardes de sábado para conversar com amigos no café de um shopping. Nessas conversas sai de tudo, mas sempre prevalecem assuntos que dizem respeito à velhice. Outro dia, um desses amigos sexagenários levantou uma pergunta: “E alguma jovem me quer?”. Eu ri muito antes de responder com um sonoro “não”. Para justificar minha resposta, lembrei que o vigor da juventude há muito nos deixou e que as rugas no rosto, o corpo arqueado e a barriga proeminente não são atrativos para ninguém. Muito menos para as jovens de hoje, que cuidam mais do corpo e da aparência que as do nosso tempo.
Aproveito a deixa para perguntar se as balzaquianas também não são atraentes. Será que as jovens de ontem não têm seus atrativos, mesmo aos 50, 60 anos? Não falo de curvas do corpo perfeito. Falo de um sorriso, uma conversa inteligente, um charme especial, um piscar de olhos para acentuar a timidez, a sensualidade de um gesto no alinhar dos cabelos, a calma provocação no ajeitar da blusa. Falo de uma relação de mar de calmaria, sem ondas nem ventos fortes. Mesmo assim, um mar que não deixa de lado a profundeza de seus mistérios, um mar que se move de forma mágica no azul que às vezes brinca de ser verde.
Durante minha peroração pouco filosófica, meus três amigos continuaram calados e me olhando quase com espanto. Até que surgem, um pouco distante caminhando em nossa direção, uma senhora aparentando 50 e poucos anos e uma moça que não deveria ter mais de 30. Cada uma com sua beleza, cada uma com roupas adequadas às respectivas idades. Ambas felizes e sorridentes, com sacolas de lojas de grife nas mãos. Aí, provoquei: Sou mais aquela senhora de cabelos grisalhos.
– Observem sua elegância, a sensualidade no andar, no movimentar leve das mãos. O sorriso discreto, os cabelos quase grisalhos – disse eu.
– Fechado. Então você fica com a velha que eu prefiro muito mais a garota – afirmou um dos meus amigos.
Sem perda de tempo, fiz uma advertência, fingindo indignação.
– Aquela bela jovem de mais de 50 anos é minha mulher e a jovem, minha filha. Portanto, desista – reclamei.
Esse meu amigo ficou vermelho de vergonha e se apressou em me pedir mil e uma desculpas, que não sabia tratar-se de minha família etcétera e tal.
E enquanto ele se desculpava, tanto a jovem quanto a senhora passaram por nós sem sequer olhar para mim. Claro, eu não as conhecia. Então meus outros dois amigos caíram na risada. Aí meu amigo metido a galã de cinema passou a me esculhambar de todo jeito. O melhor dessa história foi que no final da conversa todos entenderam uma coisa: nossas filhas, nossas netas e sobrinhas têm hoje a idade dessas jovens. Portanto, o melhor é ter mais juízo e focar nas balzaquianas, com um novo olhar. Beleza é o que não lhes falta.
*Jaques Cerqueira é jornalista e escritor. Escreve aos domingos.
Muito legal o seu texto “ Conversa de Idoso”, Jaques Cerqueira. Sim, é preciso refletirmos sobre esse culto eterno a jovialidade como que as outras etapas e fases da vida não importassem e não tivessem cada uma sua beleza singular. Esse imperativo da eterna juventude traz adoecimentos e invisibiliza o curso belo e genuíno do viver.
Verdade, gosto dos temas de Jaques Cerqueira, ele nos revela um tema pouco comentado geralmente. Obrigada!