MEMÓRIA – Felizmente, a vida continua
Douglas Menezes*
Pois novamente a ilusão acaba e se renova para um novo carnaval. Todo ano tem, todo ano vem, igual e diferente. O amanhecer traz a novidade de um novo momento, como o pôr do sol prenuncia a manhã chegante. A natureza faz isso pra que a gente se renove ou se mantenha rotineiro, feliz, ou não, a quarta-feira é igual à outra qualquer. Acho mesmo, nem tão ingrata assim.
Pois, para o bem ou para o mal, a vida continua, com milhões lutando pela sobrevivência, sem a chance de alguns, a festejarem o carnaval da abastança, muitas vezes, conseguida através da esperteza e da exploração dos mais humildes.
Também eu acho que carecemos de ilusão, um pouco. Ela traz poesia à vida, sustenta os sonhos, ajuda aguentar os trancos da existência pesada, de uma dureza a não se suportar, muita vez. Por isso, um pouco de carnaval prolonga a utopia de que se é feliz, ao menos uns dias por ano. Daí a dor ao terminar esse reinado de fantasia. Quando o pobre se sente um pouco elite, um pouco rei e rainha.
Enfim, amanhã as cinzas estarão dissipadas na quinta-feira cotidiana, com os foliões fazendo as contas juvenis, aguardando de novo o momento de se virar criança, na busca do próximo carnaval de ilusões e sonhos e cinzas ingratas.
Quarta-feira de Cinzas, 26 de fevereiro de 2020
Foto destaque: Foto da concentração do Bloco Emperradinho no carnaval de 2020, uma semana antes do falecimento de Douglas. Na foto, João Sávio, Isnar Rodrigues, Douglas Menezes, Gérson Santos, Zequinha Faustino e Amauri Rocha. Acervo da família.
NOTA DO EDITOR:
MEMÓRIA – Douglas Menezes se despediu da cidade (Cabo de Santo Agostinho-PE) e da sua gente que tanto amou e cantou poucas horas depois de publicar esta que foi a sua última crônica, na noite da Quarta-feira de Cinzas, 26 de fevereiro de 2020. Professor, poeta, escritor, romancista, contista, compositor, foi o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho nas últimas quatro décadas.