57 anos do assassinato de Martin Luther King, expoente da luta contra a segregação racial
- Estevam Silva/Opera Mundi
Em 06.04.2025
Atuação foi crucial para concretizar avanços contra o segregacionismo, mas também lhe custaram oposição e perseguição de inimigos poderosos
Há 57 anos, em 4 de abril de 1968, Martin Luther King era assassinado em Memphis, no Tennessee. Pastor batista e militante do movimento pelos direitos civis, King foi um dos maiores nomes da luta contra o racismo e contra as leis segregacionistas dos Estados Unidos.
Ele liderou ações históricas do movimento negro, como o boicote aos ônibus de Montgomery e a Marcha sobre Washington — ocasião em que proferiu seu célebre discurso professando o sonho de construir uma sociedade mais justa. King também mobilizou o povo norte-americano para lutar contra a pobreza, a desigualdade e a guerra.
Sua atuação foi crucial para concretizar avanços como a Lei dos Direitos Civis e a Lei dos Direitos de Voto, mas também lhe custaram a oposição e perseguição de inimigos poderosos — incluindo o governo dos Estados Unidos, que o submeteu a uma insidiosa campanha difamatória.
Os anos iniciais
Michael King Junior nasceu em Atlanta, no estado da Geórgia, em 15 de janeiro de 1929. Ele era o segundo dos três filhos de Alberta e do reverendo Michael King. Assim como seu pai, ele mudaria o nome para Martin Luther King (Junior), em homenagem ao líder da reforma protestante, Martinho Lutero.
King foi confrontado pela discriminação desde muito cedo, crescendo em uma sociedade marcada pelo ódio racial, estimulado pela vigência das Leis de Jim Crow — a legislação que oficializava a segregação racial e submetia a população afro-americana à condição de cidadãos de segunda classe.
Aos seis anos de idade, King foi forçado a se afastar de um amigo branco, por exigência dos pais do menino. No mesmo período, ele foi obrigado a frequentar uma escola segregada. Essas experiências o marcaram profundamente e despertaram sua consciência sobre a injustiça racial.
Ao longo da infância, King teve contato com uma série de agressões e humilhações contra os afro-americanos — mas também testemunhou de perto a vigorosa reação de seus pais aos abusos e atos racistas.
O jovem King se vinculou à vida religiosa por influência da família, participando desde pequeno das atividades da Igreja Batista. Após concluir o ensino secundário, ele ingressou no curso de sociologia da Morehouse College, renomada instituição de ensino superior ligada à comunidade afro-americana.
King também cursou o Seminário Teológico Crozer, na Pensilvânia, graduando-se em 1954. Posteriormente, ele se doutorou em Teologia Sistemática pela Universidade de Boston — ocasião em que conheceu sua futura esposa, Coretta Scott King, que se tornaria mãe de seus quatro filhos.
A luta antirracista
King se filiou à Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, no acrônimo em inglês) e intensificou sua militância antirracista após assumir o cargo de pastor em uma igreja de Montgomery, no estado do Alabama, onde as tensões raciais e conflitos étnicos eram historicamente inflamados.
Em 1955, King liderou os protestos contra a prisão da costureira negra Rosa Parks, detida por se recusar a ceder o seu lugar no ônibus a um homem branco. O episódio levou à criação da Associação de Melhoria de Montgomery (MIA), uma organização criada para reivindicar o fim da segregação racial na cidade. King assumiu a presidência da organização.
O pastor conduziu um movimento de boicote aos ônibus de Montgomery que durou 382 dias e ensejou a primeira grande vitória do movimento dos direitos civis: uma decisão da Suprema Corte determinando a abolição da segregação racial nos ônibus da cidade.
O veredito criou a jurisprudência utilizada para pressionar pelo fim das políticas de segregação racial em todo o país. A façanha, entretanto, também atraiu o ódio de grupos supremacistas — e a perseguição por agentes do Estado. King sofreu a primeira das 29 prisões que enfrentaria até o fim da vida. Ele teve sua casa bombardeada, foi alvo de uma série de atentados e chegou a ser esfaqueado.
Em 1957, King fundou a Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC), organização de ação social constituída pelas comunidades negras da Igreja Batista. O pastor presidiu a instituição até a sua morte, convertendo-a em um importante instrumento de pressão política.
Pautado pela aderência aos princípios cristãos, King buscou conceber sua militância aliando a estratégia de desobediência civil — preconizada pelo abolicionista Henry David Thoreau e adotada por Nelson Mandela na luta contra o apartheid sul-africano — à concepção de resistência não violenta derivada de Mahatma Gandhi.
Apoiando-se em seu domínio excepcional da retórica e em um ativo trabalho de base, King organizou uma série de passeatas e manifestações que ajudaram a fortalecer a luta pela igualdade racial.
Sua militância trouxe importantes vitórias para o movimento negro. Até o fim da década de 50, King conseguiu liberar o acesso dos afro-americanos a parques públicos, bibliotecas, lanchonetes e restaurantes em várias cidades dos Estados Unidos.
As grandes marchas e a Lei dos Direitos Civis
Por meio da SCLC, King organizou algumas das mais importantes iniciativas da luta antissegregacionista, como o Movimento de Albany (1961), a Campanha de Birmingham (1963) e as Marchas de Selma (1965). Ele se tornou uma das grandes lideranças do movimento negro, atraindo não apenas o apoio das comunidades cristãs, mas de amplos segmentos do movimento operário, por reivindicar pautas como salários mais dignos e mais postos de trabalho para os afro-americanos — malgrado as divergências com Malcolm X e lideranças do futuro Partido dos Panteras Negras, ressabiados com o pacifismo do pastor e sua postura aberta ao diálogo com representantes da elite norte-americana.
Em 1963, King organizou a Marcha sobre Washington, que se tornaria um marco histórico do movimento dos direitos civis. O ato reuniu mais de 250 mil pessoas na capital norte-americana e serviu de palco para o célebre discurso “Eu Tenho um Sonho”, em que King externava o objetivo de construir uma sociedade fundada sob a igualdade racial.
A gigantesca manifestação e a repercussão do discurso de King pressionaram o congresso a encampar as reivindicações do movimento negro. Logo após a marcha, o pastor foi recebido pelo presidente John Kennedy.
Em 1964, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei dos Direitos Civis, estabelecendo a igualdade formal e jurídica entre negros e brancos e abolindo a política segregacionista das Leis de Jim Crow. No ano seguinte, King viabilizou a aprovação da Lei dos Direitos de Voto, banindo uma série de restrições e práticas eleitorais discriminatórias, que restringiam a participação política dos afro-americanos
Sob a mira do FBI
As vitórias legislativas impulsionaram internacionalmente a imagem de King, que seria agraciado no ano seguinte com o Prêmio Nobel da Paz. Mas o triunfo dos afro-americanos também atraiu a fúria dos supremacistas brancos — nomeadamente da Ku Klux Klan (KKK) — e alarmou o governo dos Estados Unidos, que passou a tentar neutralizar King como líder do movimento dos direitos civis.
O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, rotulou o pastor como “o mais perigoso e efetivo líder negro no país”. King passou a ser monitorado pelo FBI, pela CIA e pela Agência de Segurança Nacional (NSA) e foi submetido a uma implacável campanha de perseguição e de difamação.
O FBI o acusou de possuir vínculos com o Partido Comunista dos Estados Unidos e com a União Soviética. Agentes do governo norte-americano também fabricaram evidências sobre supostos casos extraconjungais e chegaram a enviar uma carta apócrifa com chantagens, sugerindo ao pastor que cometesse suicídio.
Apesar as tentativas de intimidação, King seguiu cada vez mais ativo em sua militância antirracista. Em 1966, buscando expandir as atividades da SCLC para o norte dos Estados Unidos, King fundou o Chicago Freedom Movement, que organizou uma série de manifestações no estado de Illinois.
A Campanha dos Pobres
O pastor também se tornou progressivamente mais aberto às ideias socialistas, criticando problemas estruturais do capitalismo e o imperialismo americano.
King se destacou entre os mais notórios opositores da Guerra do Vietnã, chegando a acusar o governo dos Estados Unidos de ser “o maior perpetuador de violência no mundo” — fato que lhe custou a perda significativa de apoio de seus simpatizantes brancos.
A adesão de King ao pensamento anticapitalista atingiu seu ápice durante a chamada “Campanha dos Pobres”, lançada em 1968, quando o pastor priorizou as questões de injustiça econômica, a exclusão social e passou a exigir a criação de uma “Declaração dos Direitos Econômicos”, asseverando que a “reconstrução da sociedade é a verdadeira questão a ser enfrentada”.
A Campanha dos Pobres causou controvérsias até mesmo dentro do movimento negro, levando ao afastamento de militantes liberais que viram a adesão a essas pautas como uma prova de que King havia sido “cooptado pelo socialismo”.
Assassinato
King planejava uma nova marcha rumo a Washington quando viajou até Memphis, no Tennessee, para apoiar uma greve dos funcionários negros da limpeza urbana por melhores salários e condições dignas de trabalho. Em 4 de abril de 1968, enquanto estava na sacada do Hotel Lorraine, King foi alvejado por um tiro. O disparo foi atribuído a James Earl Ray. O pastor chegou a ser socorrido e a passar por uma cirurgia de emergência, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu algumas horas depois.
A morte de King causou grande comoção internacional e provocou a fúria da comunidade afro-americana, que organizou protestos massivos em Washington, Chicago, Baltimore e Kansas City.
Há suspeitas de que o assassinato de King pode ter sido orquestrado pelo governo dos Estados Unidos e que James Earl Ray seria apenas um bode expiatório. Ray confessou formalmente o assassinato para escapar de uma sentença de pena de morte, mas sempre sustentou que era inocente.
As suspeitas sobre uma conspiração foram reforçadas em 1993, quando um homem chamado Loyd Jowers afirmou ter recebido 100 mil dólares para arquitetar o assassinato de King. O verdadeiro assassino, segundo Jowers, seria Earl Clark, um oficial da polícia de Memphis.
King foi postumamente laureado com a Medalha Presidencial da Liberdade e com a Medalha de Ouro do Congresso Americano e segue até hoje como um dos maiores símbolos do movimento negro e da luta contra o racismo. Sua data de nascimento foi convertida em feriado nacional — o “Dia de Martin Luther King”.
Imagem destaque: Wikimedia Commons – Martin Luther King se dirige ao público durante a Marcha sobre Washington, em 28 de agosto de 1963