O Enigma da Religião

Por

Erivaldo Alves*

Em 23.07.2020

No livro O Enigma da Religião o autor Rubem Alves destaca que não obstante as rejeições advindas da secularização, decorrentes do dogmatismo que vigorou durante a Idade Média, onde tudo estava subjugado à religião e que com o advento do Iluminismo – que colocou a ciência e por conseguinte o homem no centro das coisas-, a religião e seu deus foram expulsos da realidade do mundo. Demolido o trono de Deus, o autor aceita que de fato o deus-ídolo esteja de fato morto, como Nietzsche advogou, mas o deus morto não fora o Deus verdadeiro.

A linguagem religiosa à semelhança da linguagem da poesia, tem a capacidade de apontar para coisas que sempre estiveram ali, diante dos olhos, mas que nem todos a percebem. A religião institucionalizada x a religião experienciada.  É o mesmo que dizer: a religião da igreja x a religião do povo. Ou seja, a religião como um dado (ato) e a religião como um processo em construção. “Das frustrações eclesiásticas surgiu um humanismo secular. A teologia foi trocada pela sociologia; a igreja pelo mundo; Deus pelo homem”. Uma nova forma de falar sobre Deus foi estabelecida com a Teologia da libertação. Trata-se, essencialmente, de uma hermenêutica dialética que lê a Bíblia a partir das ansiedades e esperanças do presente e lê o presente a partir das ansiedades e esperanças das quais fala a Bíblia. Não se trata de uma redução sociológica da fé. O que se afirma é antes que a transcendência se revela de forma concreta tanto nos gemidos pela liberdade, quanto na luta contra tudo aquilo que oprime o homem.

Religião e política (de volta à terra). A política se transformou em religião. Através dela aquilo que na religião aparecia apenas como gemido e aspiração seriam realizados de forma concreta. Nossos deuses morreram, ficaram mudos e silenciosos. Foram, como nós, exilados. E em seu lugar surgiram os heróis. Aqui a teologia surge como a busca de pontos de referência, de novos horizontes que nos permitem fazer sentido do caos que nos engole. É uma tentativa de arranjar os fragmentos de um todo que foi destruído. É necessário reconhecer as origens humanas da religião. Se houvesse tal coisa, como uma religião que não nascesse da situação existencial do homem, como poderia ser entendida?

                                                     “O absoluto para o homem é a sua própria natureza”.

                                                                                    Feuerbach

Por que os homens fazem religião? As respostas são variadas e contraditórias:

Revelação dos deuses;

Neurose obsessiva da humanidade;

Diário em que o homem escreve os seus mais altos pensamentos acerca de si mesmo. 

O que torna a religião mais enigmática ainda é o fato de que, apesar de não entender as suas origens – ou talvez precisamente por entendê-la – o homem não consegue se desvencilhar do seu fascínio. Na realidade, não se tem notícia de cultura alguma que não a tenha produzido, de uma forma ou de outra. Houve um tempo que se tornou moda falar do fim da religião. Dizia-se: “Religião é uma reminiscência que o homem guarda de um período primitivo do seu desenvolvimento”. Ignorando as causas reais que movimentam o universo – assombrado pelos fenômenos naturais que não podia compreender; assombrado pelos aspectos da morte; transportado para mundos estranhos nas suas experiências de êxtase de sonhos numa época anterior à ciência – o homem teria sido levado a imaginar a existência de uma dimensão invisível da realidade, um mundo misterioso habitado por deuses, demônios e espíritos e movidos por forças mágicas.

O argumento desse tempo era: com o progresso da história e a progressiva emergência das formas científicas de pensar, o homem estava aos poucos se educando para a realidade, e dentro em breve deixaria para trás, definitivamente, as suas ilusões religiosas. Que é, então a religião de acordo com essa corrente de pensamento? Ilusão, neurose obsessiva da humanidade.

Com o advento do novo deus, a ciência, os velhos deuses teriam inevitavelmente de ser relegados ao passado. Em Marx, “a religião é suspiro da criatura oprimida, desaparecendo a opressão, a religião haveria inevitavelmente de desaparecer”. Tudo parecia indicar que a religião teria seus últimos dias. A ilusão estava condenada a desaparecer. O movimento que se iniciou no século XVIII na direção da autonomia do homem… completou-se de certa forma em nossa época. O homem aprendeu a lidar com todas as questões de importância sem recorrer a Deus.

Na Idade Média, o universo inteiro era contemplado como se fosse uma imensa catedral. Anjos subiam e desciam, milagres aconteciam, os astros se moviam pelo poder de espíritos… aos poucos, entretanto, a ciência começou a demolir esta síntese. As explicações eram dadas e os poderes miraculosos foram desaparecendo. Deus parecia morto e sepultado, sem possibilidade de ressurreição.

O ressurgimento da religião

A história parece zombar das nossas previsões científicas. Quando tudo parecia anunciar os funerais de Deus e o fim da religião, o mundo foi invadido por uma infinidade de novos deuses e demônios, e um novo fervor religioso,que totalmente desconhecíamos, tanto pela sua intensidade quanto pela variedade de suas formas, encheu os espaços profanos do mundo que se proclamava secularizado – ateus têm seus santos; blasfemos constroem templos; fascínio pelo misticismo; yoga; zembudismo; meditação transcendental; cultos demoníacos; busca por experiências transcendentais.

*Erivaldo Alves é pastor Batista com formação nas áreas Teológica, Filosófica, Gestão Escolar e Capelania. É membro da Academia Cabense de Letras.