Mulheres negras agem para enfrentar racismo e garantir direitos em meio à pandemia

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Agência ONU Mulheres Brasil

Em 24.07.2020

A pandemia de COVID-19 tornou evidente o racismo, a violência e as desigualdades que afetam principalmente as mulheres negras no Brasil. Diante desse cenário, é preciso colocar os direitos humanos no centro das soluções. A afirmação é da assistente social Lúcia Xavier, coordenadora da organização Criola e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planta 50-50 em 2030, da ONU Mulheres Brasil.

A COVID-19 avança no Brasil e, até 22 de julho, havia mais de 2 milhões de diagnósticos de contágio e 81 mil óbitos, segundo monitoramento do Ministério da Saúde.

De acordo com estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), negros morrem mais do que brancos na pandemia no Brasil: 54,8% em levantamento com cerca de 30 mil casos, realizado em maio, com base nos dados do Ministério da Saúde.

Diante das vulnerabilidades da população negra brasileira, que corresponde a mais de 118 milhões de pessoas, ou 56% da população, lideranças do movimento de mulheres negras chamam a atenção para os efeitos das discriminações de gênero e raça na resposta à pandemia.

“A sociedade brasileira não pode escolher sacrificar as mulheres negras nesse grave quadro de violência e violação dos direitos face ao impacto da pandemia no país. Queremos viver em um país democrático com direitos e dignidade. A solução das crises e da pandemia de COVID-19 no Brasil passam pela garantia de vida digna para as mulheres negras”, disse Xavier.

Vulnerabilidades das mulheres negras

Nilza Iraci, coordenadora de Comunicação da organização Geledés e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, disse que a pandemia revelou “o retrato sem retoque de um país que insiste em não conhecer a si próprio, e onde o racismo institucional e a distopia ditam as regras de quem deve viver ou morrer”.

Ela lembrou que as mulheres negras se deparam com uma série de vulnerabilidades pela combinação de machismo e racismo.

“Em preto e preto, a pandemia escancarou que são as mulheres negras, pobres e periféricas as mais afetadas, pois além de estarem nas ruas e nas casas das patroas batalhando pelo sustento da família; enfrentando os cuidados com a casa, as crianças, os idosos, e os doentes e lutando por justiça, muitas vezes ainda convivem com a violência doméstica dentro de casa, que apontam índices alarmantes durante a quarentena.”

De Pernambuco, Mônica Oliveira, comunicadora, coordenadora da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, recuperou o histórico de mobilização das ativistas.

“As mulheres negras estão enfrentando o racismo durante a pandemia, ampliando as estratégias já atualizadas no combate ao racismo historicamente no Brasil. Nós estamos atuando com diferentes ações e frentes de luta”, afirmou.

Dentre as ações, Mônica citou o apoio direto, como a distribuição de cestas básicas com itens alimentares e de higiene pessoal e de limpeza, especialmente para a população negra nas periferias nas cidades.

Ela falou também sobre a importância do trabalho de comunicação comunitária por meio de “anuncicletas”, bicicletas com caixas de som que tocam áudios de mulheres que são lideranças em suas comunidades, transmitindo orientações de prevenção.

“Isso (está ocorrendo) porque nós percebemos que uma parte das mensagens que vêm sendo divulgadas pelo governo não alcançam e não são absorvidas por essas comunidades.”

Outra estratégia adotada é a incidência junto a gestores públicos. “Fizemos cartas e notas públicas, colocando a dimensão racial das desigualdades que se aprofundaram na pandemia, fazendo análises em torno disso e apresentando proposições.”

“Existem algumas peças fundamentais como o acesso a água. A nossa reivindicação é que sejam suspensos esquemas de racionamento de água nas comunidades.”

Controle social e diálogo com o poder público

A defesa pública de direitos conquistados, como os assegurados pelo Sistema Único de Saúde e pela Política Integral de Saúde da População Negra, também faz parte do controle social e do acionamento dos órgãos públicos.

“A exigência da divulgação de dados sobre COVID-19 com a variável cor é também uma luta, apesar de o quesito cor fazer parte dos formulários do Sistema Único de Saúde. Os governos de vários estados não estavam divulgando os dados”, explicou Mônica.

Integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, Mônica Oliveira falou também sobre o resultado da mobilização local do movimento de mulheres negras.

“Aqui em Pernambuco, a gente conseguiu que a partir de junho esses dados sejam divulgados nos boletins epidemiológicos. Essa também tem sido uma frente de luta. Aqui, os dados começaram a ser divulgados, mas não sobre os óbitos. Apenas sobre as pessoas testadas positiva ou situação grave pelo coronavírus.”

“Outra demanda foi da exigência de que o estado adotasse fila única para os leitos de UTI especialmente e que não fosse adotada nenhuma estratégia de escolha de que pacientes deveriam ser atendidos ou não, mas que fizessem fila única para acesso a leitos de UTI públicos e privados”, acrescentou.

Outra temática de ação política da Rede de Mulheres Negras do Nordeste é o enfrentamento da violência contra as mulheres.

“Em torno da questão da violência doméstica, que aumentou durante a pandemia, nós fizemos também demanda ao governo para que estabelecesse boletim de ocorrência online para oferecer atendimento a mulheres em situação de violência.”

Nova realidade

O rearranjo social nas etapas de flexibilização do isolamento social, chamado como “novo normal”, traz novos desafios às mulheres negras pelo aprofundamento das desigualdades de gênero e raça.

“O nosso histórico de combate ao racismo precede este momento e continuará. Para as mulheres negras, o ‘novo normal’ pós-COVID-19 não existe. Esse momento intensifica, justamente, as demandas que reivindicamos há séculos: a garantia de direitos básicos que inclui os que são sexuais e reprodutivos, bem como saneamento, moradia, formação, trabalho digno e a vida”, disse Thânisia Cruz, professora de francês, integrante da Articulação de Negras Jovens Feministas (ANJF) e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

De acordo com Ana Lúcia Pereira, professora universitária, integrante dos Agentes de Pastoral Negros e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, a eliminação do racismo permanece como questão central.

“Devemos enfrentar o racismo denunciando o tratamento desigual por parte de órgãos ou pessoas que prestam serviços de saúde e de proteção social, pois no polo inferior estão as mulheres negras. O ‘novo normal’ não comporta a omissão do Estado, nem o silêncio diante da violência doméstica, da fome ou do alto custo dos alimentos”, enfatizou.

O Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 é parceiro da ONU Mulheres Brasil no desenvolvimento de estratégia de comunicação e advocacy público para a priorização das mulheres negras na resposta do Brasil aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e à Década Internacional de Afrodescendentes.