Essa pelada está pedindo um juiz

Por

Otávio Toscano*

Em 03.08.2020

Olha o carro… Só havia uma única maneira de interromper a pelada, na Rua do Progresso, Centro do Recife. No calor da emoção da bola rolando, a arbitragem era de quem gritava mais. Foi falta, é nossa. É a sua… Essa última, se referindo a nossas mães, coitadas, com um olho no jantar e outro no Merthiolate, só esperando pra, depois do banho, avisar que não ia doer. Mas doía. Joelhos abertos, dedões com samboque arrancado e tudo que a gente queria era voltar no dia seguinte. O único a travar o processo era realmente o carro. Aquele juiz que paralisava a partida e ninguém questionava, por mais que a gente soubesse dos riscos.

Circularam nas redes sociais, mais uma vez, imagens de uma multidão cercando um bar, neste fim de semana, no Ipsep, se não me engano. Na grande maioria jovens, quase ninguém usava máscara. Uma situação patética.

Hoje, a pelada da vida continua sem arbitragem. E, como antes, não por falta de regras, mas sim de respeito a elas. O governo fala, insiste adverte e, sempre que pode, pune, mas não é possível atuar de babá. As pessoas precisam simplesmente “acordar pra Jesus”. Circularam nas redes sociais, mais uma vez, imagens de uma multidão cercando um bar, neste fim de semana, no Ipsep, se não me engano. Na grande maioria jovens, quase ninguém usava máscara. Uma situação patética. Após quatro meses nos limites do isolamento social, começam a agir como se nada tivesse acontecido. Sem levar em conta que nunca morreu tanta gente e que não passa de teoria e sonho cada vez que falam na vacina prometida.

Aí, cai sobre mim o desafio de ter brigado pela democracia, pela liberdade dos direitos individuais, pelo direito de fazer o que dava vontade. Ter encarado os militares e a ditadura. Ter encarado conceitos familiares. Ter partido pra cima de um sonho. Será que essa galera que faz uma coisa dessa tem o mesmo espírito, fico me questionando. Afinal, na cabeça de cada um deles deve passar o filme de estar conquistando algo, apenas por estar questionando regras. Pena que pensem assim. Não é abraçando a morte, ou o risco dela, que se valoriza a vida. É fundamental se pensar no coletivo e quando uma pessoa se coloca à disposição do vírus, está colocando de forma exponencial centenas e milhares de pessoas, que logo se transformarão em milhões.

Por isso, meu espírito libertário mostra cansaço. Nunca fui dos que queriam juiz na pelada, muito menos cartões, amarelos ou vermelhos. No entanto, ao ver a irresponsabilidade dessa galera, vejo que é preciso endurecer. Não podemos ter passado mais de quatro meses dentro de casa em vão. Não podemos ter perdido emprego, namoros, sonhos, viagens esse tempo todo a troco de nada. É hora de acordar. Não se pode agir como se estivesse comemorando um problema que passou. Ele está só começando, minha gente. Por isso, uso esse espaço pra pedir árbitro, de campo e de vídeo. Se não tem jeito, que haja punição para acordar quem quer que seja. Chama o juiz, se não esse jogo vai acabar em morte. Muito mais mortes do que já vimos até agora.

*Otávio Toscano é jornalista. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.