Tempo de acabar com a ameaça nuclear

Por

António Guterres*

Em 07.08.2020

Este mês marca o 75º aniversário do bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, quando a humanidade conheceu a devastação que uma única bomba nuclear pode causar.

O prolongado sofrimento dos sobreviventes, os hibakusha**, deveria nos dar hoje motivação diária para eliminar todas as armas nucleares.

Eles compartilharam suas histórias para que o horror vivenciado em Hiroshima e Nagasaki nunca seja esquecido. Ainda assim, a ameaça nuclear está crescendo uma vez mais.

Uma rede de acordos e instrumentos tem sido elaborada para prevenir o uso destas armas destrutivas singulares e finalmente eliminá-las. Mas esta estrutura está inativa por décadas e começa a se desgastar.

O potencial uso – intencional, acidental ou resultado de um erro de cálculo – de armas nucleares é perigosamente alto.

Alimentadas pelas crescentes tensões internacionais e a desintegração da confiança, a relação entre países que possuem armas nucleares está degenerando para confrontos perigosos e desestabilizadores.

Na medida em que governos se apoiam fortemente em armas nucleares por segurança, políticos estão usando retórica acalorada sobre seu possível uso e gastando vastas somas de dinheiro para aumentar sua letalidade – dinheiro que poderia ser mais bem melhor gasto com desenvolvimento sustentável e pacífico.

Por décadas, testes nucleares levaram a consequências terríveis para o homem e o meio ambiente. Este vestígio de uma era antiga deveria ficar confinado para sempre. Apenas uma proibição verificada e legalmente obrigatória de todo teste nuclear pode levar a isto.

O Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares já provou o seu valor e ainda assim alguns Estados precisam assiná-lo ou ratificá-lo, para que ele atinja seu potencial completo como um elemento essencial na estrutura para eliminar armas nucleares.

Junto com a mudança climática, armas nucleares representam uma ameaça existencial a nossas sociedades. A maioria das cerca de 13 mil armas nucleares em arsenais globais é imensamente mais destrutiva do que as bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Qualquer uso precipitaria um desastre humanitário de proporções inimagináveis.

É hora de retornar a compreensão compartilhada de que uma guerra nuclear não pode ser vencida e não pode ser travada, rumo a um acordo coletivo de que devemos trabalhar por um mundo livre de armas nucleares e para o espírito de cooperação que possibilitou o histórico progresso para sua eliminação.

Os Estados Unidos e a Rússia, detentores de 90% das armas nucleares, devem liderar o caminho. O tratado “Novo começo” (New START, tratado entre os dois países) mantém limites comprovados. Sua extensão por cinco anos daria tempo para negociar novos acordos, incluindo a chance de trazer outros países que possuem armas nucleares.

No ano que vem, as Nações Unidas realizarão a Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, um dos acordos de segurança internacional mais bem sucedidos. Ele contém compromissos assumidos pelos cinco maiores países que possuem armas nucleares em buscar eliminar armas nucleares e impõe obrigações verificáveis de não adquirir ou desenvolver armas nucleares.

Sua adesão quase universal significa que a vasta maioria da comunidade internacional está obrigada a seus compromissos. A Conferência de Revisão é uma oportunidade de deter a erosão da ordem nuclear internacional.

Felizmente, a maioria dos Estados-membros das Nações Unidas permanece comprometida com o objetivo de um mundo livre de armas nucleares. Isto está refletido nos 122 países que apoiam a adoção do Tratado de Proibição de Armas Nucleares. Eles compreendem que as consequências de qualquer uso de armas nucleares seriam catastróficas.

Não podemos arriscar vermos outra Hiroshima ou Nagasaki ou algo pior. Enquanto refletimos no sofrimento dos hibakusha, vejamos esta tragédia como um grito mobilizador por humanidade e nos comprometamos novamente com um mundo livre de armas nucleares.

*António Guterres é secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU)
** expressão japonesa usada para se referir às vítimas do bombardeio atômico no Japão na 2ª Guerra Mundial

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