O Homem da Feira
Jénerson Alves*
Em 14.08.2020
Segundo a estilística, a figura de palavra que ocorre quando substituímos um nome próprio por uma característica ou qualidade que lhe é distintiva chama-se ‘antonomásia’. Este fenômeno acontece, por exemplo, quando chamamos Pelé de ‘Rei do Futebol’ ou Margaret Thatcher de ‘Dama de Ferro’. Assim também é quando empregamos o epíteto ‘Homem da Feira’ para nos referirmos ao compositor Onildo Almeida.
Autor da música ‘A Feira de Caruaru’, gravada por Gonzagão em 1957, Onildo traz no olhar o encantamento pelo cotidiano, propriedade inerente aos artistas de rara sensibilidade. A inspiração para compor esta música surgiu após perceber muitos produtos atípicos sendo comercializados na feira de rua. Após elencar vários desses produtos, escreveu a letra de modo que a disposição das rimas ficasse sempre com o fonema /u/. A melodia, interpretada por Luiz Gonzaga, gerou uma experiência estética nos ouvintes. Ao longo dos anos, a música chegou a ser gravada em vários países.
No mesmo disco de 78 rpm, também havia a música ‘Capital do Agreste’, que foi composta por Nelson Barbalho em parceria com Onildo Almeida. A escritora Valéria Barbalho relata que há vários escritos de Nelson sobre Onildo. Em um deles, o autor de País de Caruaru assim testifica: “Onildo Almeida, um nome que é uma legenda no cancioneiro popular nordestino, oxente!” E quem ousaria discordar? São mais de 300 composições, gravadas por nomes como Marinês, Trio Nordestino, Jacinto Silva, Xangai, Jackson do Pandeiro, Chico Buarque, Genival Lacerda, Adelmário Coelho, Elifas Júnior, Flávio José, Falcão, e mais uma infinidade de artistas.
Há dois anos, fiquei admirado vendo Onildo Almeida se apresentar para adolescentes na Escola de Referência em Ensino Médio Arnaldo Assunção, em Caruaru. Ele animou a juventude, ao som do seu violão. E a garotada conhecia as músicas do mestre. Quem foi que disse que essa ‘galera’ só gosta de música importada?
Onildo também utiliza seu talento para render louvor Àquele que é o dono de todos os talentos. Evangélico, pode-se dizer que o Homem da Feira é, ao mesmo tempo, um Homem de Deus. Entre suas canções neste estilo, destaca-se uma que fala sobre o arrebatamento, gravada em um CD em parceria com a cantora Ely Silva.
Curiosamente, é assim que Nelson Barbalho retrata Onildo no livro ‘Vasto Mundo – Panorama Visto do Monte’ (1981):“Antigamente se dizia que todo 13 de agosto é dia de o Diabo andar solto no meio do mundo, dia aziago, por conseguinte. Pois bem, sem ser diabólico e sem ter cauda de capiroto, deu as caras neste vale de lágrimas, exatamente em 13 de agosto de 1928, um velho e querido amigo meu: Onildo Almeida, o menino da Ponte Velha, no País de Caruaru, filho de Zinha, que era excelente tocador de bandolim, violão, banjo e violino, integrante destacado da orquestra de cordas do saudoso Bloco Carnavalesco Lira Independente, dos velhos carnavais caruaruenses”.
No dia 13 de agosto de 2020, ontem, ‘seu’ Onildo completou 92 anos de vida, transbordando alegria e partilhando conhecimento. Também pudera! Caruaru é uma cidade superlativa. Não por menos, também temos o maior compositor do mundo.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto: Joalline Nascimento/G1