Uma análise do perfil dos evangélicos pentecostais no pleito eleitoral de 2004 no Cabo de Santo Agostinho

Por

Ricardo Jorge Silveira Gomes*

Em 17.08.2020

A separação entre o campo político do campo religioso nos últimos anos no Brasil tem se tornado um tema em evidência sobretudo nas últimas décadas, com o avanço dos pentecostais e neopentecostais na esfera da política partidária. Percebe-se “uma penetração ou reabertura dos espaços públicos – institucionalizados ou não – à ação organizada de grupos e organizações religiosas (…)” (BURITY, 2001, p. 29). Essa nova ação levantada pelo autor tem sido uma realidade, pois esses evangélicos buscam a ocupação desses espaços, antes não desejados.

As igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais voltaram a público, ganharam visibilidade na sociedade e, através disso, procuram manter “interlocução com as autoridades civis e políticas, publicam manifestos”, organizam grandes concentrações públicas de fiéis e apoiam abertamente candidatos a cargos eletivos (BURITY, 2001, p. 33).

Como o autor afirma acima, o grande interesse dos evangélicos pentecostais é buscar a visibilidade na sociedade através do diálogo com as autoridades civis e políticas, promovendo grandes concentrações religiosas, dando apoio político a candidatos evangélicos a cargos eletivos.

Desde a abertura democrática no Brasil temos assistido, a cada eleição, o aumento do número de candidatos a cargos eletivos, sobretudo ao Legislativo. Nota-se entre esses candidatos número expressivo de agentes religiosos, sejam eles líderes carismáticos ou apenas membros de alguma instituição religiosa (ORO, 2008, p. 7).

Por ocasião do pleito eleitoral eles costumam expor a sua condição e seu vínculo religioso com a intenção de aproximar os fiéis de sua candidatura, obter o apoio da instituição religiosa a qual pertencem e, assim, formar uma base eleitoral de apoio religioso.

Como veremos adiante, “alguns candidatos conseguem obter esse apoio com o poderoso auxílio das instituições religiosas às quais pertencem, pois algumas igrejas não deixam de se fazer presentes no campo político, mobilizando-se na perspectiva de eleger seus representantes” (ORO, 2008, p. 10). Esse é o motivo pelo qual muitos candidatos que possuem um vínculo religioso forte, por ocasião das eleições, buscarem aproximar-se de grupos religiosos, principalmente dos evangélicos neopentecostais.

Segundo Oro, em uma pesquisa realizada com vereadores da capital gaúcha e deputados estaduais do Rio Grande do Sul, muitos afirmaram que sua aceitação social aumenta quando expressam publicamente algum vínculo religioso. (ORO, 2001, p. 167).

Muitos candidatos religiosos aproveitam o fato de estarem vinculados a uma determinada igreja ou religião para galgar espaços de poder na política em nome da sua fé. Uma vez eleitos, saem em defesa da ordem social, da moral cristã e dos bons costumes e, não raro, brigam pela legitimação e pelo reconhecimento daquilo que prega a sua doutrina religiosa como sendo algo universal e que deve ser aceita por todos os cidadãos. Um exemplo foi a bancada evangélica do município do Cabo de Santo Agostinho tornar o dia 31 de outubro feriado municipal em homenagem ao Dia Municipal da Reforma Protestante e Ação de Graças através da Lei Municipal nº 2.313, de 23 de março de 2015:

Art. 1º Passa o dia 31 de outubro a ser feriado, No Cabo de Santo Agostinho, em homenagem ao Dia Municipal da Reforma Protestante e Ação Graças. Art. 2º. Anualmente, na data indicada no art. 1º, a Prefeitura Municipal apoiará festividades destinadas a realçar o significado da comemoração. Art. 3º. As comemorações farão parte do calendário oficial do Município. Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Essa Lei Municipal vai institucionalizar para a população cabense algo que é particular do credo dos evangélicos pentecostais e neopentecostais. Embora o Estado brasileiro seja juridicamente laico, como afirma Mouffe (1996, p. 22), “na medida em que atuem nos limites constitucionais, não há nenhuma razão porque os grupos religiosos não devam intervir na arena política para debater a favor de ou contra certas causas”.

E é isso que membros, agentes e instituições religiosas vêm fazendo no âmbito da esfera política. Cada vez mais veremos a participação e o engajamento dos mesmos no campo da política. “Os partidos e candidatos que não levam os grupos religiosos em seu discurso e estratégia correm sério risco de se complicarem ou inviabilizarem eleitoralmente” (apud ORO, 2008, p. 9). O cenário da chegada dos pentecostais ao mundo da política tem alguns fatores, como Campos (2006, p. 51): “A chegada desses novos pentecostais ao campo político foi precedida tanto pela criação de novas representações ideológicas, como por um descontentamento com as maneiras tradicionais de os evangélicos fazerem política no Brasil. Durante muito tempo, líderes pentecostais consideravam “suja” a atividade política, denunciavam os “candidatos de porta de templo”, que apareciam apenas em épocas de eleições e que, depois de eleitos, se fechavam aos interesses das bases que os elegeram ou simplesmente fingiam atendê-las dando nome de seus mortos ilustres e escolas, praças e ruas. A essa percepção crítica dos políticos evangélicos acrescentou-se a crítica moralista dos neopentecostais, quase todos eles oriundos das camadas mais baixas das classes médias. Assim, portanto, um discurso mais moralista, eles desenvolveram uma repulsa aos “políticos evangélicos” tradicionais, acusados de transigirem em seus princípios morais para defenderem interesses próprios ou de grupos “incrédulos”.

Os pentecostais perceberam o potencial desse eleitorado, que não queria mais os políticos profissionais; mesmo aqueles pentecostais que têm por hábito votar no candidato indicado pelo pastor, já estavam se tornando mais exigentes quanto aos compromissos morais de seus candidatos.

Em 2004, o panorama eleitoral da participação de religiosos na política, já observado em outras eleições, se repetiu. Líderes religiosos e as próprias instituições religiosas se mobilizaram para conquistar cadeiras na Câmara Municipal do Cabo de Santo Agostinho-PE. Por ocasião das eleições de 2004, acompanhei a atuação de candidatos que tornaram público o seu vínculo religioso durante a campanha eleitoral no município do Cabo de Santo Agostinho. A observação ocorreu mediante a consulta sistemática das homepages do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE).

Ao todo, identifiquei 39 candidatos no pleito de 2004 que empregavam sua identidade religiosa como atributo político para conquista de votos. Desses 39 candidatos evangélicos ao pleito eleitoral, 5 são das Igrejas Históricas, 29 Pentecostais e 5 Neopentecostais.

 

Identificada a maioria dos evangélicos pentecostais com vínculos confessionais com pelo menos duas estruturas eclesiásticas, foi surpreendente o grande número de candidatos filiados à igreja Assembleia de Deus, de denominações  a Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil e a Convenção de Madureira. Em seguida, a Pentecostal Assembleia de Deus. A igreja Assembleia de Deus é a maior denominação em número de templos, fiéis e pastores. Desta forma, teve uma participação no pleito eleitoral de 2004 mais representativa. Mas, tudo indica que o interesse crescente desse grupo pelo Legislativo Municipal e Estadual é uma reação ao crescimento da força política da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Pernambuco.

Vários estudiosos (ORO, 2001; MACHADO, 2006) já demonstraram que o lançamento das candidaturas, bem como o engajamento das estruturas eclesiásticas nas campanhas, se dão de maneira diferenciada. Entretanto, verificou-se no pleito em questão a tendência de adoção de algumas estratégias da IERD por parte dos dirigentes de várias outras denominações pentecostais. Campanhas políticas, seja com a apresentação de candidatos durante os cultos mais concorridos, seja com distribuição de material impresso na saída, foram constatadas em templos da Assembleia de Deus, da Igreja Internacional da Graça de Deus, da Comunidade Evangélica da Zona Sul e da Renascer, demonstrando que as resistências ao modelo iurdiano de fazer política são bem menores do que o discurso dos concorrentes faz crer.

*Ricardo Jorge Silveira Gomes é mestre, doutorando em Ciências da Religião e membro da Academia Cabense de Letras.

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