O folclore é como um jardim
Jénerson Alves*
Em 21.08.2020
Rubem Alves dizia que “os jardins são o mais antigo sonho da humanidade”. O eterno Poeta da Educação lembrava da sinonímia existente entre ‘jardim’ e ‘paraíso’ – uma palavra muito antiga, que quer dizer ‘espaço fechado’ (ou seja, protegido). Já a palavra ‘cultura’ nos remete ao século XVIII, quando foi gestada por filósofos europeus, referindo-se ao progresso material e mental da humanidade. Assim como há a cultura da terra, há a cultura humana, o aperfeiçoamento interior do sujeito. O emaranhado de significados presente no termo ‘cultura’ levou o pesquisador de cultura europeia William John Thoms criar a palavra ‘folclore’ no dia 22 de agosto de 1846, para designar o campo de estudos outrora denominado ‘antiguidades populares’. A palavra, oriunda de outros dois termos em inglês, adveio de ‘folk’ (povo) e ‘lore’ (saber), significando “saber tradicional de um povo”. A popularização do vocábulo veio com a fundação da Folk-Lore Society of Londres, em 1878.
No Brasil, este campo de estudo ganha mais força no século XX. Nomes como Silvio Romero, Florestan Fernandes e Luiz da Câmara Cascudo despontam como folcloristas. Este último chegou a fazer parte da Sociedade de Londres, além de ter sido fundador da Sociedade Brasileira de Folk-Lore, no dia 30 de abril de 1941, em Natal-RN. Cascudo compunha o ‘ranking’ dos cinco maiores folcloristas à época, ao lado de nomes como Archer Taylor, Stith Thompson, Reider Christiansen e Wilhelm Von Sydow.
Em linhas gerais, o folclore estuda os costumes, as crenças, músicas, danças, culinárias, vestuários, artesanato, poesias, lendas, narrativas e mitos de um povo. Trata-se de um olhar para a alma da pessoa “como indivíduo socializado e aculturado de acordo com uma ecologia, uma cultura, um grupo a que pertença, ou dentro do qual nasceu ou cresceu” – para usar as palavras de Gilberto Freyre. Enfim, são manifestações que contribuem para a formação da visão de mundo e para a educação de um povo.
“O jardim começa na cabeça das pessoas. Começa com o pensamento. Se o povo não sonhar com jardins, os jardins não serão criados. E os que porventura existem logo se transformarão em lixo”.
E é principalmente nisso que o folclore se parece com um jardim. Voltemos para o que nos diz Rubem Alves: “O jardim começa na cabeça das pessoas. Começa com o pensamento. Se o povo não sonhar com jardins, os jardins não serão criados. E os que porventura existem logo se transformarão em lixo”. O escritor ainda esclarece que, para tanto, é fundamental que sejam implementadas políticas públicas. Os prefeitos e prefeitas, segundo Rubem Alves, não deveriam se preocupar com os dez mil atos administrativos e as inaugurações que lhes seguem, mas sim deveriam focar na construção de jardins, de modo que as pessoas entendam o espaço da cidade como pertencente a elas. Esse objetivo perpassa o nosso folclore – nossas músicas, lendas, narrativas, poesias, danças merecem ser cultivadas com carinho. Vamos sonhar com esse dia até vê-lo se tornar realidade.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.