Por que o Brasil é tão corrupto?

Por

Ayrton Maciel*

Em 30.08.2020

A Coroa de Portugal, o Brasil colonial, o Brasil imperial e a República brasileira. O que há de diferente, em termos de corrupção, em 520 anos do “jovem” País, que aparteia cada um e o todo dos brasileiros entre o nacionalismo indiferente, a alheação patriótica, a consciência envergonhada e a inconsciência dos invisíveis? Nada. Para mais ou para menos é uma questão de graduação, não de erradicação ou controle. Porque o mal está na formação do povo brasileiro. Uma herança que a corte e a elite nacionais reproduziram e que o povo absorveu.

O argumento do “País jovem” é o perdão ou a desculpa do brasileiro que veste a integridade territorial com as vestes da honra nacional. Porque temos a mesma idade dos países americanos do Norte, do Centro e do Sul. Muitos, a bem de atenuar, também penitentes da corrupção espanhola. Então, a culpa é de quem? Do desinteresse das elites nacionais e seus governos em erradicar ou aplicar as leis de controle, através dos Poderes constitucionais do Estado.

Certamente, extirpar esse histórico estágio de vergonha do País depende do simultâneo – e por gerações – investimento em educação na base. Mudança de postura umbilicalmente dependente da conscientização das elites econômica, política e militar nacionais. Ou seja, que não resistam a novos conceitos, não se apeguem a tradições e não impeçam mudanças.

Para exemplificar está dificuldade brasileira, lembro de uma passagem de um dos três livros da autobiografia do histórico economista paraibano, Celso Furtado. Ele narra que o presidente Juscelino Kubistchek lhe pediu um órgão para planejar e puxar o desenvolvimento do Nordeste: viria a ser Sudene. E revela: os maiores opositores da criação do órgão foram exatamente os parlamentares da Região. Eles temiam perder o seu domínio coronelista sobre a população. Para passar no Congresso, a Sudene teve de contar com o apoio dos deputados e senadores do Sul e Sudeste.

Somos uma herança colonial da Coroa e do Império e da elite coronelista. Algumas tradições foram superadas, mas superficialmente afetaram a estrutura da nossa formação. Muito mais tradições (não me refiro à cultura) estão arraigadas.

Quando lemos obras e ensaios de historiadores, numa análise histórica da corrupção no Brasil, a constatação comum é a do mal que sempre esteve presente na Colônia, no Império e na República, inclusive nos períodos ditatoriais e de discursos mais anticorrupção, como o dos militares de 64. Com todo o poder que detiveram não impediram o enraizamento da corrupção.

Eis uma prática vinculada às cortes e à elite que foi adotada pelas demais classes sociais. Isso não significa afirmar que não há uma parcela da população que fique indignada com a prática. Sempre houve os indignados. Porém, da elite colonial à elite imperial e à elite republicana é uma prática sem escrúpulos ou com maus escrúpulos.

O patrimonialismo público e privado, o favorecimento clientelista e os laços de família nas estruturas do Estado são características tradicionais da corrupção nacional. A gorjeta do guarda de trânsito, a propina do fiscal de renda e do político-relator do orçamento, o percentual da obra ou da compra pelo governante, a compra da sentença judicial, o presente em agradecimento ao gestor. A corrupção se disseminou e se dissimula historicamente como prática no que acabou se configurando em tragédia social brasileira.

*Ayrton Maciel é jornalista. Escreve aos domingos.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.