O direito à respiração e o racismo que sufoca
A letalidade do racismo estrutural brasileiro pode ser observada de modo empírico. 75% das vítimas de homicídio no país são negras, como revela o Atlas da Violência 2019
Por Veyzon Campos Muniz – Publicado no site Justificando
Em 1968, Martin Luther King, ativista laureado com o Nobel da Paz de 1964, pretendia realizar novo movimento de desobediência civil não violenta para pressionar o governo norte-americano a atender as demandas sociais de justiça econômica e de combate à pobreza. Em 04 de abril daquele ano, porém, teve a sua vida ceifada com um tiro. O seu legado, contudo, não morreu. O racismo por ele atacado segue vivo e o seu enfrentamento emergiu vívido na sociedade estadunidense nos últimos dias.
Seis meses após o passamento do referido líder, George Romero, cineasta então estreante, lançava o filme de terror independente “A Noite dos Mortos-Vivos” (Night of the Living Dead). Trazendo Duane L. Jones, ator negro, como Ben, a obra ocupava-se de sua jornada por sobrevivência em meio a uma reanimação pandêmica de pessoas recentemente mortas, que as tornava famintas por carne humana. O protagonista, com esforços próprios, sobrevive ao ataque zumbi, todavia, em um desfecho brutal, é alvejado fatalmente por policiais brancos, aqueles que deveriam ser responsáveis pelo salvamento de eventuais sobreviventes.
Tanto a personalidade histórica, quanto o personagem fictício revelam que o racismo nunca deve ser compreendido como uma ação ou conduta intangível e merecedora de atenção individualizada. Ele, em verdade, forja as sociedades, sendo um mecanismo complexo de criação e retroalimentação de desigualdades estruturais exclusivamente postas com base na cor ou etnia das pessoas. Trata-se de um modo de compreensão das relações interpessoais em ambientes determinados: uma racionalidade que se expressa no domínio sistêmico sobre o acesso a bens e serviços públicos e privados, a gestão de espaços de poder, a construção de narrativas e subjetividades e a normatização de regras, que vai de encontro nevralgicamente aos princípios e direitos mais básicos.
A letalidade do racismo estrutural brasileiro, exemplificativamente, pode ser observada de modo empírico. 75% das vítimas de homicídio no país são negras, como revela o Atlas da Violência 2019 – dentre tais vidas perdidas está a do adolescente João Pedro Pinto, morto por tiros a queima roupa em 18/05/2020 pela ação policial em São Gonçalo. A mesma fonte indica que, entre 2012 e 2018, a violência fatal causada por operações policiais subiu 166,7%.
Essa dramática realidade no contexto da pandemia causada pela disseminação do novo coronavírus não se alterou, pelo contrário, agravou-se. Em meio ao presente estado crítico, em que medidas de asseguração da vida das pessoas deveriam ser as tarefas estatais prioritárias, vê-se uma intensificação das mortes de jovens negros e da truculência contra as manifestações públicas de protesto à elas – o que pôde ser visto quando das manifestações antifascistas ocorridas em 31/05/2020.