A liberdade dos pássaros

Por

Valéria Saraiva*

07.09.2020

Ela está lá fora, na haste de uma antena, espalhando seu canto que ecoa pelo ar:

Bem-te-vi, gorjeia, como a interagir comigo.

Eu te ouvi, respondo.

Com seu papo amarelo, ela canta e, nesse simples instante, tenho a sensação de que não estou no centro do Recife.

Esse pássaro me transportou para minha infância no Cabo de Santo Agostinho. Tinha um sítio atrás da casa dos meus pais, com várias árvores, pássaros e outro animais. De vez em quando, um passarinho entrava lá em casa. Uma vez caiu um ninho do telhado. Não sabíamos o que fazer com os ovinhos e decidimos colocar de volta no lugar.

Eu tinha um passarinho em uma gaiola que chamava de Robson Crusoé. Mas meu pai me convenceu a soltar ele. Para meu pai era uma crueldade manter um pássaro em uma gaiola. Ele me explicou que os pássaros são animais silvestres e que nasceram para viver livres na natureza. Nenhum animal gosta de viver encarcerado. Nós mesmos não gostaríamos disso.

Eu entendi a lição e soltei Robson Crusoé. E vi ele sobrevoar a sala e sair pela fresta do telhado.

Deus deu as asas para voar. Se um animal gostar de você, ele volta pra te agradecer, volta pra te visitar. Mas, presos, eles vão morrendo aos poucos pela solidão, pela tristeza de não poder voar pra natureza.

Nunca devemos limitar o poder de liberdade de ninguém, nem de um simples pássaro.

Diz o evangelho de Mateus 6:26: “Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem, nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor que elas?”

“O homem é livre; mas ele encontra a lei na sua própria liberdade”, escreveu Simone Beauvoir.

O dicionário do Google dá a seguinte definição: “A liberdade é um grau de independência legítimo que um cidadão, um povo ou nação elege como valor supremo, como ideal. Por extensão: é um conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei.”

Temos a nossa liberdade garantida pela Constituição e exercemos ela todos os dias sem nem perceber. Embora junto com essa liberdade venha a responsabilidade. Porque as leis existem para garantir que a minha liberdade não prejudique a sua. Tem uma frase que ouvi muito na adolescência e se encaixa perfeitamente nesse contexto:

“A minha liberdade termina onde começa a do outro.” Ou seja, exerça sua liberdade, mas com responsabilidade.

Observemos o que disse o filósofo prussiano Immanuel Kant, que viveu no século 18:

“Você é livre no momento em que não busca fora de si mesmo alguém para resolver os seus problemas.”

Vamos aprender com os pássaros e ser livres dentro e fora de nós mesmos.

*Valéria Saraiva é enfermeira, poetisa, cronista, autora do livro “Lírios, Tulipas e escorpiões” e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às segundas-feiras.