Sobre bolas de gude, piões e pipas

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Por José Ambrósio*

No domingo (19.04) conversei por telefone com um amigo que mora em uma cidadezinha do agreste pernambucano. Professor, está em casa, ao lado da esposa e do filho de seis anos. Contou que não está fácil a quarentena, mas que vem seguindo as recomendações das autoridades de saúde. “Precisamos nos proteger e proteger os outros”, ressaltou, em tom de resignação, por ele confirmada a seguir: “É resignação sim, porque é difícil ficar em casa sem poder ajudar tanta gente necessitada, inclusive familiares”, disse.

Relatou casos dramáticos de gente do seu convívio. Pessoas confusas com tantas informações, grande parte “fake news”. Outras desesperadas porque ganham o sustento fazendo biscates e estão paradas. Gente sensata, segundo ele, que compreende a necessidade da quarentena, mas que está assustada com o número crescente dos casos confirmados e das mortes pelo novo coronavírus, e já não sabe mais o que fazer.

Contou que se tornou comum ver pessoas pedindo alimentos quase sempre que vai ao supermercado ou à padaria. “Isso é muito triste”, considerou. Com a voz embargada disse ter conhecimento de casos em que as pessoas tentaram suicídio e aproveitou para parabenizar psicólogos que voluntariamente vêm se disponibilizando a atender pessoas pelo telefone. “Esse pessoal está salvando vidas”, ressaltou.

Explicou que para suavizar o dia a dia dentro de casa está lendo, ouvindo música, assistindo filmes, cuidando do jardim e brincando muito com o filho. “Estou recorrendo a brinquedos meus, e está sendo bacana. Bolas de gude, carrinhos, piões, pipas. Ele está adorando. Nunca havíamos brincado com meus brinquedos. Estavam guardados, empoeirados”, contou.

Acrílica sobre tela 50cmx70cm

O meu primo José Cândido, administrador de empresas e bancário, também por telefone, me disse que vem enfrentando bem a quarentena. No entanto, teve que sair de casa (Boa Viagem) para visitar seu pai João Cândido (85 anos), em Moreno, e acabou esticando a viagem até o sítio Poço do Boi, no pé da Serra das Russas, em Pombos. “Fui dar uma volta com ele (o pai). Não aguenta ficar enclausurado. Ele fica ansioso. Mas não queria sequer que eu saísse do carro”, contou. O passeio até o Poço do Boi é, para João, uma viagem no tempo para João. Lhe faz recordar de fatos que marcaram a vida dele, porque foi naquele sítio que ele nasceu.

A quarentena em Pernambuco completou um mês na segunda-feira(21). Mesmo assim, somos o quarto estado com o maior número de casos confirmados do novo coronavírus. Nas últimas 24 horas foram 508 novos casos, um recorde. São 4.507 contaminados e 381 mortes. A primeira morte ocorreu há um mês. Dos infectados, 73,5% são considerados em estado grave. Apesar disso, é forte a pressão para que se ponha fim ao isolamento social. O governo estadual já estuda a melhor forma de retomar gradualmente as atividades dos setores considerados não essenciais. Para isso determinou que todos os setores providenciem máscaras para os trabalhadores. E recomendou que todas as pessoas usem máscaras ao sair de casa a partir desta segunda-feira (27).

De modo que, como se observa, os casos de contaminação continuam subindo. Assim, se você puder, fique em casa. Pelo último decreto do governador Paulo Câmara, a quarentena se encerra na próxima 5ª, 30 de maio, véspera do feriado do Dia do Trabalho.

Candeias, 25 de abril de 2020.

*José Ambrósio é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras