Professores, uni-vos!

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 19.10.2020

15 de outubro comemora-se em todo território nacional o Dia do Professor. Do total de professores da educação básica do país, 81,5% são mulheres.

Apesar de a grande maioria dos professores no Brasil ser constituída por mulheres, continuamos tratando do Professor. É uma questão da nossa língua portuguesa, que tem sua origem no Latim. “Idiomas como o português, o francês e o italiano dão relevância às desinências masculinas sobre as femininas pois vieram do latim, como já explicado. A justificação do “machismo” por trás da língua portuguesa viera daí uma vez que a sociedade romana era rigidamente patriarcal”. (Marconi Lenza).

Então, o Brasil tem 2,7 milhões de professores sendo que 1,7 atuam na rede pública dos quais, 1,4 milhão se encontram em atividade nas salas de aula do ensino fundamental, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica 2019, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Pesquisa do INEP aponta que 83,2% dos professores do ensino fundamental (1º ao 9º ano) têm nível superior completo com licenciatura e o percentual vem crescendo nos últimos anos.

Quando se observam os anos iniciais do ensino fundamental, 1º ao 5º ano, onde estão atuando 751.994 docentes, 80,1% são graduados com licenciatura, enquanto 4,1% concluíram o ensino superior (bacharelado) e 10,6% têm o magistério em nível médio. O censo aponta ainda 5,2% de professores dos anos iniciais com nível médio ou inferior.

O Dia do Professor foi criado por Antonieta de Barros, uma mulher negra, deputada estadual por Santa Catarina, eleita em 1934.  Figura entre as três primeiras mulheres eleitas no Brasil.

Antonieta nasceu em 1901 e era filha de uma escrava liberta.

Antonieta de Barros

Pouca gente sabe disso porque a nossa literatura tornou invisível este fato, sendo a história contada no formato da “história oficial”.

A bandeira política de Antonieta era o poder revolucionário e libertador da educação para todos. O analfabetismo em Santa Catarina, em 1922, época que começou a lecionar, era de 65%.

Segundo conta Karla Leonora Dahse Nunes, em sua dissertação de mestrado, Antonieta, “professora formada, tinha 17 anos quando fundou o curso particular “Antonieta de Barros”, com o objetivo de combater o analfabetismo de adultos carentes. Sua crença era que a educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão. Sua fama de excelente profissional, no entanto, fez com que lecionasse também para a elite nos colégios Coração de Jesus, Dias Velho e Catarinense”.

Escritora, em 1937 publicou o livro Farrapo de Ideias. Em 1948 foi um projeto de Antonieta transformado na lei Nº 145 de 17 de outubro que criou o Dia do Professor e o feriado escolar nessa data, em Santa Catarina. A data seria oficializada no país inteiro, somente 20 anos depois, em outubro de 1963, pelo presidente da República, João Goulart.  (Aline Torres-El País)

Embora se comemore em todas as escolas, os professores, sobretudo do ensino básico, têm feito um esforço pessoal muito grande para o exercício de suas funções e pouco têm a comemorar. Apesar de algumas conquistas após a Constituição de 1988, o trabalho é visto sob muitas dificuldades.

Professores trabalham excessivamente, cumprindo jornadas de trabalho em duas ou mais escolas, o que os impede de ter uma vida saudável e encontrar tempo para estudo, leitura e convivência sadia com a família, sobretudo para mulheres, neste país, historicamente responsáveis pelas tarefas caseiras. Isto acontece porque os salários são baixos. Atualmente o piso salarial é de R$ 2.886,00 para quarenta horas/aula para as redes públicas, fixado pelo MEC.

É fato que no Brasil inteiro os salários são baixos.

As maiores dificuldades estão relacionadas, em primeiro lugar, à falta de reconhecimento pela sociedade sobre a importância do trabalho que os educadores exercem na formação dos seus filhos e a falta de responsabilidade e vontade política histórica dos dirigentes deste país para se ter educação de qualidade. Só haverá qualidade na educação,quando professores forem valorizados e tiverem as condições necessárias ao bom desempenho das suas funções.

Em segundo lugar, à falta ou deficiência nos planos de carreira, considerando que a educação básica é de responsabilidade dos Estados e dos mais de 5 mil municípios. A diversidade que caracteriza esta realidade brasileira e a falta de definições políticas em cumprimento às leis e aos Planos Nacionais de Educação têm impossibilitado o fortalecimento da carreira, a garantia da formação acadêmica de todos os docentes que estão em sala de aula, como também a formação continuada.

As famílias geram expectativas de que os professores têm responsabilidades na formação dos seus filhos, que vão além da responsabilidade escolar. 

Em terceiro lugar, à violência urbana que transpõe o muro das escolas, que tem suas raízes no modelo de desenvolvimento que ora vivemos e que produz desigualdade social, crime organizado, tráfico de drogas, desestruturação das relações familiares, falta de segurança pública entre outros.  As famílias geram expectativas de que os professores têm responsabilidades na formação dos seus filhos, que vão além da responsabilidade escolar.  Professores são agredidos pelos alunos, o que tem acontecido sobretudo nos grandes centros urbanos. A violência que as crianças e os adolescentes exercem é, antes de tudo, a que seu meio exerce sobre eles COLOMBIER et al. (1989). A criança reflete na escola as frustrações do seu dia a dia.

Em quarto lugar, a pandemia do novo coronavírus alterou a dinâmica das escolas e a vida dos professores que estão realizando atividades a distância desde meados de março. Essa mudança exigiu que educadores adaptassem sua rotina doméstica à nova forma de trabalho, o que nem sempre é fácil. As dificuldades inerentes ao sistema escolar foram aguçadas. Os professores precisaram reinventar sua forma de dar aula e lidar com outras dificuldades, como a tecnologia e, em muitos casos, o convívio familiar durante o expediente.

A função do professor não é transmitir informações, mas fazer com que o aluno consiga assimilar melhor as características e processos inerentes ao mundo em que vive.

Muitos estudiosos dizem que para melhorar a qualidade do ensino, é necessário tornar a carreira de professor mais atrativa. “As condições de trabalho são decisivas. O profissional precisa saber que conseguirá atuar apenas em uma escola e se dedicar a ela, com salário razoável. Não adianta nem investir em programas de formação continuada. São cursos que não vão ensinar os conhecimentos básicos da disciplina”, afirma Moriconi. “Não dá para contratar e, depois, querer arrumar. ”

Em tempos difíceis como os que estamos vivendo, os professores e professoras, sobretudo das escolas de educação básica, demonstraram que lutam de verdade, qualquer que seja o contexto. Tenho conhecido professores que nunca lidaram com a tecnologia na escola, no entanto criaram aulas virtuais, como nunca imaginaram, reinventaram atividades artísticas, requalificaram a linguagem e desenvolveram o exercício mais aprimorado do aprender. Na prática, sozinhos, tiveram de ensinar através das telas dos computadores e celulares. Erraram também, mas puderam entender que o erro é necessário para quem está aprendendo e fazendo algo pela primeira vez.

A maioria dos professores é apaixonada pela carreira. Muitos têm mencionado como dificuldade deste momento o distanciamento dos seus alunos. A falta do diálogo dentro da sala de aula, do convívio social entre professor e alunos reduz a capacidade de aprendizagem, segundo pesquisas feitas.

Virgínia, professora entrevistada, conta que, apesar dos benefícios de trabalhar em casa, como não precisar se deslocar até a escola em que trabalha, ela afirma que sente muita falta de estar com seus alunos. “É uma coisa muito importante e rica do processo de comunicação professor-aluno que acaba se perdendo. Sem contar as possibilidades de eles interagirem entre si na realização de atividades. ” (Eleva Educação)

Uma pesquisa foi desenvolvida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Universidade de Minas Gerais com 15.654 professores do Brasil inteiro, Trabalho Docente em Tempos de Pandemia, gerando alguns resultados como:

82% dos professores estão dando aulas dentro de casa; 82% dos docentes disseram que as horas de trabalho aumentaram; 80% dos entrevistados afirmaram que a principal dificuldade dos estudantes é a falta de acesso à internet e computadores; seguida pela dificuldade das famílias em apoiar os estudantes (74%); a falta de motivação dos alunos (53%) e o desconhecimento dos alunos em usar recursos tecnológicos (38%).

O estado emocional dos professores também está sendo colocado à prova: 69% declararam ter medo e insegurança por não saber como será o retorno à normalidade e 50% declararam ter medo em relação ao futuro. (Fonte: SINPRO-DF)

Todos fomos surpreendidos pela pandemia, mas não podemos esquecer que as mazelas são antigas.

Parodiando o samba de Assis Valente, Brasil Pandeiro…, a música que todo brasileiro entende… Brasil, esquentai vossos pandeiros…  iluminai os terreiros… que nós queremos educar…

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.