O medo, esse companheiro
Dorgival Soares da Silva*
Em 10.06.2020
“Ao final de nossas longas andanças, chegamos finalmente ao lugar. E o vemos então pela primeira vez. Para isso caminhamos a vida inteira: para chegar ao lugar de onde partimos. E, quando chegamos, é surpresa. É como se nunca o tivéssemos visto. Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade.” (Rubem Alves)
O medo é nosso conselheiro. É nosso guia original de preservação. É o que nos alerta sobre nossas fraquezas. Esse, o natural, o instintivo. O medo da morte, da dor. Ele nos levou a nos entendermos com a natureza, agente das ameaças – e, a entendê-la, estudá-la.
Metidos, criamos os nossos medos, que decorrem de nossa apropriação de imagens e símbolos. Medo do inferno, de não ser aceito em determinados meios, o de não acertar e ser excluído, do governo e seus fiscais, o de levar um fora, o de perder, ser traído, ser espionado …
Essa coleção de medos pode nos enfraquecer ainda mais, ou a reagirmos com falsas soluções como imposturas, prepotências, arrogâncias, deslealdades, invejas etc.
O medo nasce com nossa incapacidade de lidar com as inexoráveis inevitabilidades, o acaso, o ininteligível, o desconhecido, o amanhã, o comportamento alheio. Poucos são reais. Os medos imaginários pouco incomodam os que não os cultivam.
Alimentados, mostram sua irracionalidade e geram um mal-estar, que progressivamente se transforma em ansiedade, angústia e pânico.
A religião cristã vê esse medo como característica do humano em presença do mal, de todo mal. Ele nasceria da evidência de nossa própria fraqueza, impotentes que somos diante do sofrimento, da morte e do pecado. Esse mal estaria aninhado dentro do coração humano; vem do pecado.
“O pecado é uma rebelião contra a ordem que Deus imprimiu ao Universo – ao cosmos, realidade ordenada, em contraposição ao caos, realidade desorganizada,desestruturada, e por isso imprevisível e hostil.” (Gertrud von le Fort).
É um caminho válido para os que têm fé. O sobrenatural sobrepujando e delimitando o real. A solução estaria no plano da graça.
Abrindo um parêntese.
Há os que os que ignoram Deus e procuram ver o mundo como uma manifestação do acaso e, que não é a ordem que gera a vida, mas o caos.
Que Newton não leia isso, mas alegam que até a dinâmica do sistema solar é caótica.
“Nós conhecemos todas as equações, massas e velocidades exigidas para prever o movimento futuro para sempre, mas há um horizonte de previsão de cerca de 10 milhões de anos devido à dinâmica do caos. Assim, se você quiser saber de que lado do Sol Plutão estará daqui a 10 milhões de anos, pode esquecer.” (Jack Wisdom e Jacques Laskar).
Ecossistemas normalmente não se assentam numa espécie de equilíbrio estático da natureza.
Atratores estranhos (Teoria do Caos), fractais e física quântica poderiam explicar o que vemos por aí.
Fechando o parêntese.
Esses medos são acentuados em momentos como o atual, de crises. Não há como negar o temor sobre o que pode advir de situações explicitamente caóticas. Mas, o medo não pode nos dominar. Usemos seus antídotos, a coragem e a lucidez.
“Onde quer que tu vires um grande fim, fica seguro de um grande começo. Onde uma monstruosa e dolorosa destruição estarrece tua mente, consola-a com a certeza de uma grande e vastacriação.” (Sri Aurobindo)
Lembremos, o que vivíamos antes da pandemia não pode ser visto como “normal”, porque destrutivo, agressivo. Agressões crescentes aos ecossistemas, desequilibrando-os acentuadamente; agressões às democracias, já frágeis; ignorância ou desrespeito à alteridade, com agressões aos imigrantes, diferentes cores de pele, diferentes religiões; desigualdade crescente; ódio como discurso de grupo; agressões sexuais …
É de se esperar alguma mudança, não só em hábitos de consumo.
É possível alguma mudança na prevalência da visão antagonista do mundo; pouca, mas um passo. Isso me contentaria.
*Dorgival Soares da Silva é administrador de Empresas. Pernambucano de Vitória de Santo Antão, está radicado em São Paulo desde 1992.
Pois é amigo, o medo vige nos dias atuais fazendo muita gente refém de si mesmo, pelo instinto de preservação da vida, mas levando a pensar também que a vida do outro é valiosa uma vez que somos seres gregários .
Acredito sim, movida por uma fé raciocinada, que somos protagonistas de um capítulo que ficará na história universal inaugurando assim uma nova fase de progresso para todos os povos