A mídia digital não é um espaço dialógico, não gera felicidade

Por

Nelino Azevedo de Mendonça*

Em 11.06.2020

A princípio, a afirmação que se encontra no título deste artigo pode parecer estranha, causar desconfiança e, principalmente, provocar uma avalanche de opiniões contrárias, considerando que a mídia digital é um espaço que, cada vez mais, atrai pessoas de todos os quadrantes do planeta.  No entanto, o ambiente virtual é um espaço que abriga uma multidão de isolados, de pessoas singularizadas em si mesmas e incapazes de gerar um nós, pois apenas “se sentam diante da tela … e se dissolvem de maneira tão rápida quanto surgiram. Por causa dessa efemeridade, eles não desenvolvem nenhuma energia política” (Han, 2018a, p. 30,32), com força suficiente que seja capaz de se impor e fazer frente ao poder que domina.

A eficiência do sistema da positividade neoliberal, na medida em que fragmenta e isola o sujeito, cria outros canais de compensação. O ambiente virtual é um dos mais eficientes desses canais ao disponibilizar um espaço fértil e adequado para todo tipo de exibição. Desse modo, o excesso de exposição na internet é uma forma de controle sobre as pessoas que buscam interagir através das redes sociais e se sentem regozijadas por estarem em permanente comunicação com o mundo e com seus pares. A capacidade de eliminar fronteiras na internet se configura numa espécie de jardim do éden, espaço que surge como um lenitivo para aplacar a sensação de isolamento. O ambiente virtual, desse modo, tornou-se um dispositivo bastante eficiente do sistema neoliberal, que ao estimular a liberdade individual, faz com que os indivíduos, por vontade própria, exponham-se das mais diversas formas e, por essa razão, passem a ser monitorados diariamente, numa espécie de panóptico onipresente digital (HAN, 2018).

A sociedade do desempenho constitui um modo de existência centrado na liberdade individual do sujeito e alimenta nas pessoas uma busca desenfreada pela boa vida, ou seja, pela felicidade. Dessa maneira, aos olhos e mentes dos indivíduos esse modelo de sociedade parece ser o eldorado para garimpar e adquirir a boa vida. Mas a boa vida aqui implica sempre em uma ação do interesse. A dimensão utilitarista passa a reger o espaço principal onde ocorrem as interações e as convivências sociais, pois todos estão em busca do lenitivo que aplaque as dores e garanta o bem estar. Os princípios neoliberais passam a ser a bússola condutora para a aquisição da felicidade. O porém dessa questão é que, na maioria das vezes, essa busca desenfreada pela felicidade evidencia uma situação de fracasso pessoal pela impossibilidade dessa conquista e, consequentemente, gera adoecimentos como depressão e síndrome de Burnout. Infelizmente, esse processo produz uma sociedade de adoecimentos e de adoecidos.

A mídia digital é um ambiente que exige presença, pois as pessoas passam a ser sujeitos ativos na medida em que produzem suas informações e as disponibilizam diretamente, dispensando possíveis intermediários, como se vê em outros formatos de mídias (Han, 2018a). Desse modo, produzir e consumir informações com rapidez passa a ser o alimento diário para suprir as necessidades e as carências do interior humano, como se, dessa forma, fosse possível eliminar as dores da alma e do coração. O mais temeroso nisso é que a técnica possibilitou aparatos e instrumentos extraordinários, como é o caso dos smartphones que já são extensão do corpo humano. Desse modo, a atualidade criou o ser humano digital em contrapartida ao ser humano analógico. E não há um jogo e nem embate entre eles, não há disputa nem interesse que se conflitem tanto para um como para o outro, pois, nesse contexto, o ser humano analógico está excluído, aniquilado, completamente fora do jogo, e a única maneira de tornar-se presença e voltar à cena, é digitalizando-se.

Ser notado parece ser a tarefa imposta nesse modelo de sociedade. Isso significa também liberdade. Liberdade de ser, de estar e de poder. Por isso é tão importante que essa presença virtual seja marcada pela imagem que demonstra conforto e altivez. Dessa maneira, somos marcados pelo modo como nos apresentamos no ambiente virtual, por isso é tão necessário o glamour, pois o que define as curtidas são as imagens e não as pessoas. Nesse ambiente, seguir e ser seguido é a máxima que determina a capacidade de cada pessoa atingir o sucesso. Afinal, o sucesso é ou não o caminho para a felicidade?

Na medida em que a mídia virtual individualiza cada vez as pessoas e elimina a possibilidade do coletivo, do nós, elimina, consequentemente, a potencialidade da solidariedade e do diálogo. A mídia virtual não é um espaço onde as pessoas assumem a responsabilidade pelo seu semelhante, por isso não pode gerar alteridade. Por essa razão, é um espaço que estimula o sentimento narcisista, em que cada um cuida apenas do seu.

Por fim, temos o desafio de repensarmos essa condição de dilaceramento dos laços humanos, tão intensificado por esse modelo neoliberal que se expressa nessa sociedade do desempenho. Sendo a mídia virtual um instrumento estratégico que pode servir a esse individualismo narcísico, pode ser também, quiçá, um espaço de construção coletiva a serviço de uma sociedade democrática, de fortalecimento de laços humanos, de solidariedade e de ajuda mútua, de processos colaborativos que contribuam na superação das violências, dos preconceitos, das homofobias, da rejeição ao próximo e das diversas formas de exclusão. Quem sabe estejamos aprendendo algumas coisas disso, nesse momento de dor e de fragilidade humana nesses tempos de pandemia.

 

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica – O neoliberalismo a as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2018.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018a.

*Nelino Azevedo de Mendonça é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras