A vacina é a salvação
Mirtes Cordeiro*
Em 01.03.2021
A pandemia avança no mundo, mas, no Brasil, tem uma marca diferenciada dos outros países, que é a teimosia do governo em não reconhecer o novo coronavírus como um parasita causador de grande infecção nas pessoas, e pelo comportamento de grande contingente da população – independentemente de classe social – que insiste em não compreender que o distanciamento social, o uso da máscara e práticas intensivas de higiene têm sido as principais medidas para prosseguirmos vivendo.
O desconhecimento sobre o vírus, sua manifestação nos humanos, bem como sobre tratamento adequado contribuem para a morte de muita gente sem o atendimento necessário. Contribuem para isso o descrédito na ciência e o desprezo pelas informações científicas antecipadas sobre a possível existência do vírus e a irresponsabilidade do governo federal quando não assumiu suas funções de coordenação do combate à pandemia no país.
Passado um ano de angústia e mudanças significativas na vida da população, sabemos que poderemos conviver com essa praga, a covid-19, por muitos anos, mas a vacina neste momento é não só a esperança como também a salvação.
Haveremos de não esquecer o trabalho e o esforço daqueles que se debruçaram em seus laboratórios em busca de pesquisas para a descoberta da vacina. Até a sua fabricação foram poucos meses, tempo recorde, fruto da responsabilidade de cientistas do mundo inteiro.
Muitos governantes se anteciparam na busca de vacinas e se comprometeram com a aquisição tal qual preveem as regras de mercado. O Reino Unido se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a vacina contra o novo coronavírus, a da Pfizer/BioNTech, para uso generalizado na população, o que significa grande vitória da ciência.
Em nosso país governado por pessoas que negam a ciência, a vacina também se transformou num instrumento que acentuou o estado de angústia da grande maioria da população, como o desemprego, o fechamento de pequenos negócios, as dificuldades nas redes hospitalares, por vários motivos.
Primeiro porque o presidente disse logo que vacina não comprava, sobretudo da China, um país “comunista”. Na verdade, a China se intitula uma república socialista. No meu entendimento, a China, nem é comunista nem socialista, nem é necessário que seja para produzir vacina e vender para o mundo já alastrado pelo vírus.
Em segundo lugar, porque a discussão sobre coronavírus, covid-19, mortos, vacina e tudo que se relaciona com a doença que já ceifou mais de 250.000 vidas, virou um caso da política brasileira relacionado à reeleição do presidente, ou não, em 2022.
O país se dividiu numa discussão obscurantista e através das redes sociais se estabeleceu uma grande contenda sobre tudo isso, com todo tipo de observações que a nossa cultura permite. Remédios distribuídos à população sem a necessária eficácia comprovada, oferecidos até para as emas que habitam o palácio governamental em Brasília; ministro desmoralizado e desautorizado ao vivo porque ousou contratar a compra de vacinas; quadrilhas de prontidão roubando os recursos destinados a aliviar a dor de quem está doente; recursos do auxílio emergencial desviados para quem não precisa e, como se não bastasse, vacinas roubadas no momento da vacinação, subtraídas dos braços dos idosos com mais de 80 anos.
O que pensar de um país como esse? A que ponto chegamos? Para onde vamos ou queremos chegar? Além de tudo, ainda contamos com o folclore político e as disputas entre os poderes constituídos. Afinal de contas, é preciso saber quem é o melhor no meio de tantos “egos” eivados de poder e vaidades.
Não podemos esquecer que no meio de tudo isso, a desigualdade aumenta de forma incontrolável, dentro do previsto por aqueles que previam até 2030, um mundo sem pobreza extrema. (Meta da ONU)
“Esta pandemia é extraordinariamente grave, ela vai empurrar centenas de milhões de pessoas para a pobreza.” disse Jeffrey Sachs, economista autor do livro O Fim da Pobreza, em uma entrevista exclusiva à BBC News Mundo.
E continua ao desenvolver suas análises… “e, lamentavelmente, a perspectiva é de resultados ainda piores no futuro. Temos uma liderança terrível nos EUA (Trump), uma liderança miserável no Brasil, uma liderança ruim para esta crise no México. Muitas economias emergentes estão começando a se ver muito afetadas, e tudo isso poderia levar a um desastre crescente. No curto prazo, há muita dor econômica junto com as mortes e os confinamentos. Mas estamos bem no momento em que ou fazemos uma boa saúde pública ou enfrentaremos transtornos econômicos que durarão anos. E temo que estejamos indo mais na direção do último”.
Penso que somente daqui a uns 20 anos sentiremos os efeitos do que acontece agora no Brasil e que aí, sim, poderemos analisar os fatos a partir dos efeitos gerados, como sempre. Nunca nos antecipamos ao desastre e dificilmente corrigimos os erros.
Por enquanto, no meio de toda essa contenda, vai chegando à vacina, devagar, no ritmo que reflete o caos em que a saúde pública foi jogada e a população também.
Mas, plagiando Tim Maia, o que eu quero? Vacina!
A vacina tem sido para todos o objeto da salvação. Da morte para a vida. Até que enfim obedecendo aos processos burocráticos e os devaneios políticos dessa guerra, consegui fazer a inscrição para o bloco dos 75 aos 79 anos e recebi inscrição de número 1127504. Lembrei logo dos judeus que recebiam um número ao chegar aos campos de concentração. Mas imediatamente refiz meu sentimento e pensei na inscrição como a garantia de um direito, como consta no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos… “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Neste caso ao se aproximar da vacina, significa maior aproximação com a vida.
Sigo hoje para o posto de vacinação com ansiedade só comparável ao dia da minha primeira comunhão, que para mim não tinha muito significado além da festa, mas para a minha família, católica, significava a salvação da alma. Era outro tipo de salvação que eu não compreendia.
Fiz a primeira comunhão no dia em que completei sete anos de idade, na Igrejinha mais que centenária da minha cidade o Ipu, no sertão do Ceará. Uma cerimônia só para mim, uma grande deferência do Monsenhor Gonçalo aos meus pais que escolheram a data porque segundo eles eu estava chegando à “idade da razão”, uma questão de natureza filosófica que trata da liberdade. Claro que eu de nada entendia, mas recebi bem os ensinamentos da catequese, sobre a existência da alma, a responsabilidade por salvá-la com o distanciamento do pecado. E antes da primeira comunhão nós recebíamos uma lista com as sugestões de pecados e ficávamos desesperados tendo que escolher quais daqueles havíamos praticado.
Assim, cheia de ansiedade, mas, desta vez, com a idade da razão bem consciente sobre a necessidade de salvar a vida, do perigo que estamos correndo, das incertezas que nos estão afligindo, dos erros que realmente são praticados, aguardo o momento de receber a vacina e desejo que esteja em pouco tempo disponível para toda a população brasileira.
Para continuarmos lutando. Para podermos viver uma vida melhor.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Igreja de Ipu (CE).