Vacina é passaporte para vida

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 03.03.2021

Anteontem tomei a primeira dose da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca/FioCruz e recebi um cartão contendo a data para tomar a segunda dose no dia 04/06/2021. Recebi o cartão como quem recebe um passaporte para a vida. Completada a segunda dose poderei sair, viajar ver os amigos, sem, no entanto, me esquecer de manter os hábitos de higiene, usar a máscara que deve nos acompanhar ainda durante muito tempo, até que todos tenham se vacinado e o novo coronavírus se despeça.

Sinto-me uma pessoa privilegiada, quando lembro que milhões de pessoas no meu país que estão trabalhando, se deslocando em ônibus e trens lotados de um lado para outro em busca do sustento, ainda vão demorar para receber a vacina, dadas as dificuldades provocadas pelo governo Bolsonaro para adquirir as vacinas.

Fui criança em um tempo que não havia vacinas. No sertão do Ceará, nas décadas de 40, 50 e 60, convivemos com todo tipo de doença, como a sapiranga, uma inflamação nas pálpebras que corroía os olhos das crianças. Também catapora, sarampo, papeira, esquistossomose, coqueluche, tuberculose, poliomielite e varíola. Fui vítima de todas essas citadas doenças, com exceção da poliomielite, também chamada paralisia infantil. Mas tive algumas amigas que ficaram incapazes para caminhar por conta do terrível vírus da poliomielite.

Das que tive, e consegui sobreviver, a mais cruel foi a varíola,  considerada uma das primeiras doenças conhecidas pela humanidade. Estudos indicam sua presença em humanos há cerca de 12 mil anos. É causada por vírus e transmitida pelo ar ou por itens contaminados. Tem sintomas parecidos com os da gripe, com acréscimo de dores musculares, vômitos violentos e pústulas (bolhas) na pele. Ficou ainda mais perigosa com a urbanização: no século 18, matou 400 mil europeus; e no século 20, 300 a 500 milhões no mundo todo. Após campanhas de vacinação, foi considerada erradicada em 1979, uma grande conquista para os seres humanos.

Destaco a varíola por estar entre as treze doenças mais temidas pelo mundo e porque deixou grande sofrimento para minha família. Na minha casa todos ficamos doentes. Não podíamos nos alimentar e deixamos as redes de dormir para dormir no chão forrado por folhas de bananeiras. Isso porque era a forma encontrada para que as pústulas formadas no corpo não pregasse nos tecidos das roupas e dos lençóis.  As folhas de bananeiras eram distribuídas pelo único médico da cidade, tipo médico da família, na carroceria de caminhão.

Ironia do destino, o médico, Dr. Tomaz Correia, que travou o combate a muitas doenças causadas por vírus, com tão poucos recursos, veio a falecer em dezembro/2020 aos 100 anos de vida, de covid-19, também por falta de vacina.

Com o início do Sistema Público de Saúde, em 1970, e posteriormente a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), ancorado na Constituição Cidadã de 1988, o Brasil surgiu para o mundo como um país que “prevê o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, com regionalização e hierarquização, descentralização com direção única em cada esfera de governo, participação da comunidade e atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. (Portal da Educação)

Poucos países conseguiram estruturar um serviço único de saúde que beneficia a todos e é orgulho para os brasileiros.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil é uma referência internacional de política pública de saúde. O país já erradicou, por meio da vacinação, doenças de alcance mundial como a varíola e a poliomielite (paralisia infantil). A população brasileira tem acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Desde que foi criado, em 1973, o programa busca a inclusão social, assistindo todas as pessoas, em todos o país, sem distinção de qualquer natureza. As vacinas do programa estão à disposição de todos nos postos de saúde ou com as equipes de vacinação, cujo empenho permite levar a imunização mesmo aos locais de difícil acesso, segundo informativos do Ministério da Saúde.

Então, neste momento que atravessamos um ano de pandemia, assistimos com perplexidade declarações do presidente da República e seus asseclas com todo tipo de barbaridade com relação ao enfrentamento à doença, à negação do vírus, à desvalorização das vacinas. Tudo através de palavras torpes e comportamentos abusivos, incitando a população a promover verdadeiros rituais de aglomeração que só nos desqualifica perante à opinião internacional.

Pois, estou feliz porque tomei a vacina, porém, indignada quanto ao uso político que está sendo feito, desmerecendo toda a história do SUS, que é uma das maiores conquistas do povo brasileiro. E desmerecendo a nós brasileiros que perdemos mais de 257,5 mil pessoas para o novo coronavírus.

É preciso que tenhamos forças para exigir que todos se beneficiem da vacina e para dizer ao mundo que somos uma democracia que se alinha às outras democracias mundiais pela preservação da vida.

VIVA O SUS!

*Mirtes Cordeiro é pedagoga.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.