Representatividade feminina nas casas legislativas

Por

Henrique Gonçalves Trindade*

Em 17.03.2021

A secular luta das mulheres em busca do reconhecimento dos seus direitos já deveria ser página lida, resolvida e virada, mas, surpreendentemente, ainda hoje presenciamos, e até mesmo admitimos, a propagação de diferenças e o incremento do desequilíbrio entre os sexos.

Na seara eleitoral, as diferenças são históricas. Só com a vigência do primeiro Código Eleitoral Brasileiro em 1932, foi chancelado o direito da mulher de votar e ser votada.

Na década de 1990, um passo importante foi a promulgação da Lei 9.100/1995, pioneira no país em estipular um percentual mínimo de candidaturas femininas, determinando para as eleições municipais “vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.

A Lei n° 9.504/1997, no artigo 10, parágrafo 3º, apresenta a nossa situação contemporânea, afirmando que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherão mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento), para candidaturas do mesmo sexo”. A Resolução n° 23.609/2019 do TSE, em seu artigo 17, parágrafo 2º, ratifica essa obrigação.

Garantidas as cotas por sexo, passou-se à iminente preocupação correlata: como garantir o financiamento das candidaturas? O TSE, através da Resolução n° 23.607/2019, artigo 19, parágrafos 3°, 4° e 5°, tratou do tema:

“Artigo 3° — Os partidos políticos, em cada esfera, devem destinar ao financiamento de campanha de suas candidatas no mínimo 30% dos gastos totais contratados nas campanhas eleitorais com recursos do Fundo Partidário, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do artigo 44 da Lei n° 9.096/1995(Lei n° 13.165/2015, artigo 9°)
Artigo 4° — Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do Fundo Partidário destinados a campanhas deve ser aplicados no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.
Artigo 5° — A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Partidário, destinada ao custeio das candidaturas femininas, deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas”.

Saindo do mundo da legislação e mergulhando na realidade fática [1], vemos que as mulheres perfazem 52,5% do eleitorado nacional, no entanto, nas últimas eleições, dos 557 mil pedidos de registro de candidaturas, apenas 187 mil foram femininas, o que representou 33,6% do total, sendo que esse percentual foi de 31,9% em 2016 e 31,5% em 2012.

Em 2020, foram eleitas 655 prefeitas em todo o Brasil, o que representa 12,1% do total, contra 87,9% de prefeitos. Nas Câmaras Municipais foram eleitas 9.196 vereadoras e 48.265 vereadores, o que equivale a 16% de mulheres versus 84% de homens.

Em que pese a legislação exija um mínimo de 30% de candidatos de um sexo, a realidade revela que muitos partidos, principalmente nas cidades do interior deste imenso Brasil, têm dificuldade de arregimentar o número suficiente de mulheres para composição da cota mínima, e, em alguns casos, partem para o execrável procedimento de inscrever mulheres apenas para compor candidaturas femininas fictícias, que não possuem efetivo interesse ou condições de concorrer, ali colocadas apenas para suprir a cota, as coloquialmente chamadas “candidaturas laranjas”.

Quanto a isso, vislumbro dois aspectos que merecem reflexões. O primeiro diz respeito ao candidato que, em tese, tem viabilidade eleitoral, mas seu partido politico não consegue compor uma chapa com 30% de mulheres legitimamente interessadas em participar das eleições. Em outros tempos, uma alternativa para superar essa questão era a coligação com outro partido, na expectativa de conseguir alcançar o percentual mínimo, mas essa opção já não existe mais em face do impedimento de coligações previsto na Emenda Constitucional n° 97/2017. O que fazer, então?

Outro aspecto refere-se àquela candidata que possui representatividade efetiva e disposição, mas não tem o apoio politico e financeiro da sua agremiação. É certo que a exigência do repasse do Fundo Partidário prevê que as candidatas sejam corretamente contempladas, mas o que se vê é que os recursos ainda são controlados e distribuídos pelos principais lideres do partido, privilegiando as candidaturas dos seus aliados mais próximos.

Não resta dúvida que houve progresso ao se legislar sobre uma cota mínima de 30% para candidatura de cada sexo, mas isso não foi, nem é, suficiente para reparar a histórica defasagem da representação feminina em todas as esferas do poder legislativo brasileiro.

Como mostrado alhures, nas eleições de 2020 tivemos 33,6% de candidatas, mas apenas 12,1% foram eleitas prefeitas e 16%, vereadoras. O Brasil precisa corrigir, ou melhor, eliminar o fosso que separa homens e mulheres, e para tanto urge elevar a presença feminina em nossas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado.

A alternativa mais imediata e eficaz é, ao invés de reservar 30% de vagas, reservar ao menos 30% de cadeiras no Legislativo para cada sexo. Dessa forma, teríamos a garantia que em todas as casas legislativas do país ao menos 30% dos assentos seriam ocupados por mulheres, o que certamente traria mais equilíbrio e justiça.

O Brasil precisa de ações afirmativas reparadoras, não só referentes ao sexo feminino, mas também em relação a raça, etnia, classe econômica, entre outras “minorias” que muitas vezes são maiorias. Não se trata de favor ou privilégio e, sim, de reparação. O Brasil é plural e não pode ter uma representatividade singular. As mulheres, como maioria populacional e eleitoral, devem ter garantido o seu direito a votar e a serem votadas em condições verdadeiramente igualitárias, e não apenas de forma ficcional.

Precisamos evoluir da atual garantia de 30% de vagas para candidatura de cada sexo para a garantia de ao menos 30% de assentos para cada sexo em todas as casas legislativas do Brasil.

Mulheres e homens, vamos empunhar essa bandeira. A civilização precisa de equilíbrio, lutemos por ele.

[1] Dados: Site do TSE.

*Henrique Gonçalves Trindade é advogado e desembargador eleitoral do TRE-BA.

Artigo publicado originalmente no portal da Revista Consultor Jurídico.

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