A pandemia e os impactos na educação dos pobres
Mirtes Cordeiro*
Em 12.04.2021
Cada dia que passa assistimos no mundo e principalmente no Brasil, os impactos da pandemia do novo coronavírus na vida da população, mas com significados irremediáveis na vida dos mais pobre.
O problema é que a pandemia se alastra aceleradamente pelo país, porque as medidas necessárias não foram tomadas pelo governo federal, com o agravante de o próprio presidente da República incitar a população a desobediência sobre decisões de estados e municípios com vistas a conter a velocidade da transmissão. Alguns falam que o presidente age assim sob a lógica do negacionismo. Outros já falam na mídia sobre os desvios de personalidade e o comportamento desequilibrado nas medidas tomadas pelo governo, sempre com a ideia da perseguição a qualquer indivíduo ou coletivo que discorde das formas anacrônicas de governar.
Esse comportamento tem produzido a contaminação em massa, a queda da economia, a fuga do emprego e da renda, o aprofundamento da pobreza e da fome, da desesperança.
Mas o que tem preocupado muito aos que pensam num país melhor é a retomada do crescimento que se quer com sustentabilidade e equidade. E para isso nos defrontamos com muitos impasses na educação, com os sistemas de ensino perdidos no meio das adequações para fazer com que as escolas cumpram suas funções.
Nesta caminhada observa-se claramente as dificuldades já dimensionadas no processo de aprendizagem de crianças e adolescentes, sobretudo a defasagem já existente entre alunos ricos e alunos pobres, ou seja, entre os que frequentam os conglomerados de escolas privadas e os que frequentam as escolas públicas.
A dinâmica das aulas remotas está levando os estudantes a se sentirem mais desmotivados com o passar do tempo, de acordo com dados de uma pesquisa sobre educação na pandemia. Já no segundo semestre de 2020 uma pesquisa realizada pela DataFolha indicava que “o percentual de alunos sem motivação para estudar saiu de 46%, em maio, e chegou a 54% em setembro, enquanto a dificuldade em se organizar para estudar em casa também aumentou de 58% para 68%, no mesmo período”. (Os dados foram obtidos pelo Instituto Datafolha, a pedido da Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures. Foram ouvidos 1.021 pais ou responsáveis de alunos de escolas públicas municipais e estaduais, de 6 a 18 anos, entre 16 de setembro e 2 de outubro).
É preciso observar que a desigualdade social existente conduz a essa situação, o que se torna um ciclo vicioso, porque o afastamento dos alunos da escola aprofundará em curto e médio prazos a situação de distanciamento entre as classes sociais.
O ano letivo em 2020 funcionou com escolas fechadas em parte e quando abriram suas portas, funcionaram com aulas remotas, uma grande novidade para alunos e professores. No entanto, a grande maioria dos alunos que frequentam as escolas públicas não dispõem dos instrumentos, meios ou processos tecnológicos para poder participar das aulas remotas.
No Brasil, o ensino à distância ainda não é praticado na educação básica, por isso desafios e dificuldades são enfrentados diariamente por professores, alunos e suas famílias.
Professores não recebem formação para executar metodologias como gravação de aulas nem para o uso da tecnologia e diferentes linguagens que, utilizados, mantenham os alunos interessados, assim como se interessam pelos jogos que são apreciados em celulares, tablets ou computadores.
Os alunos têm dificuldade em assistir uma aula gravada tal qual é dada em sala de aula, porque traduz monotonia e o áudio se transforma em algo estático, para quem precisa estar sempre estimulado a interagir, questionar ou exercer a criatividade.
As famílias, além de ocuparem o seu tempo no trabalho, não são professores. Portanto, não têm capacidade de acompanhar as aulas remotas dos filhos, orientando ou corrigindo atitudes e comportamentos durante as mesmas. Falta também paciência, sobretudo por parte das mães, pois são as mulheres que geralmente assumem mais essa função auxiliar de professor, durante aulas online, além de todas as tarefas já desenvolvidas na casa.
Mas, a dificuldade maior é que famílias que têm os filhos em escolas públicas, em sua grande maioria não dispõem de computadores, tablets e celulares com internet eficiente instalada em casa e não estão preparadsa com habilidades socioemocionais, nem detêm conhecimentos mínimos sobre tecnologias e didáticas aplicadas aos estudos dos filhos, para exercer essas funções, ora requeridas de auxiliar à escola. Aliás, tradicionalmente as famílias brasileiras pouco acompanham o que os filhos aprendem nas escolas.
Professores se reinventam dentro de suas possibilidades, tentando fazer uso de algumas plataformas existentes, mas os resultados não têm sido significativos para melhorar o índice de aprendizagem que já é muito baixo, segundo as avaliações do IDEB/MEC.
Segundo Gleiciane Freire, “professores premiados foram desafiados a buscar novas estratégias de ensino on-line para realizar atividades não presenciais sem diminuir a qualidade da aprendizagem. Nesse contexto, diversas alternativas foram pensadas para possibilitar que os alunos continuassem aprendendo, como: 1- Autenticidade e materiais relevantes que se conectam com a prática; 2- Uso de recurso multimidia; 3- Criação de conteúdo digital pelos alunos de forma individual e colaborativa; 4- Reflexão dos alunos sobre sua aprendizagem; 5- Explicação do propósito”.
É necessário que professores e alunos reorientem suas práticas através de clareza e transparência nas relações de construção do aprendizado em que alunos possam ter mais confiança em si próprios, criando mais responsabilidade sobre o que querem aprender e por que aprender.
A vida tem demonstrado que crises são oportunidades para aprendermos algo novo ou reinventarmos o que já vem sendo feito. Muita gente tem observado que o mundo vai ser diferente depois do novo coronavírus. Mas, é preciso, para mudar, que a mente humana se refaça, para que os propósitos de vida possam considerar questões como a proteção da vida como o propósito maior. Claro que para isso os processos educacionais pelos quais passamos, que significa o aprender, através de milénios, têm sua fundamental importância.
Esta crise provocada pela pandemia do coronavírus, mas atravessada pela crise política em que perdura a irresponsabilidade e o atentado à democracia, terá efeitos de longo prazo na educação.
Imaginemos crianças e adolescentes das periferias urbanas, das áreas rurais, das beiras dos rios, das áreas indígenas, onde salvo algumas exceções, as escolas são de péssima qualidade, onde alunos se evadem e são reprovados com muita facilidade, áreas onde permanece o trabalho infantil como forma de sobrevivência e as famílias vivem em estado de pobreza. O que a escola poderá fazer para que aprendam o suficiente para construírem sua autonomia no caminhar de suas vidas?
Além dos professores, a sociedade precisa se reinventar, cuidar dos seus filhos, das suas crianças.
A democracia será mais forte com escolas estruturadas, professores bem formados, ganhando salário suficiente para poder dar boas aulas, sendo que para isso é preciso estudar, se aperfeiçoar.
É preciso cuidar mais que tudo de ter representantes políticos comprometidos com as necessidades reais da população e com capacidade de diálogo com as instituições públicas e com a população.
Do contrário, passada a parte crítica da pandemia, passaremos a conviver com o vírus, nos protegendo com a imunização através da vacina – como ocorre com outras pragas – com uma sociedade com desigualdade mais avançada, com poucos ricos muito mais ricos e muitos pobres em situação de pobreza extrema.
As Escolas deverão se reinventar, e ao fazer isso, colocar também novas formas de reinvenção para as famílias e para a sociedade como um todo.
Os governos, de modo geral, deverão se investir de recursos nos orçamentos para dar o suporte necessário às escolas públicas que necessitarão de condições para criar uma cultura digital, criativa reflexiva e ética, construir conteúdos voltados para a valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais capazes de afastar preconceitos e valorizar as diferenças.
A Escola que se quer reinventada deve desenvolver o senso de responsabilidade com autonomia, solidariedade, respeito, com base em princípios éticos e democráticos.
As universidades também terão a incumbência de rever a formação dos professores. Sobre o ensino remoto, “Sabemos que isso traz uma série de problemas. Os alunos não têm equipamentos e, quando têm, nem sempre eles têm recepção favorável; os professores não tinham essa experiência, eles usavam recursos tecnológicos, mas de forma menos intensa; etc. Agora, o caminho é o diálogo. O aluno está aprendendo, os docentes estão aprendendo e a instituição está aprendendo. Quem supunha que isso fosse acontecer? Estamos no mundo do imprevisível”, ponderou a socióloga Silke Veber, professora emérita da UFPE.
“O Censo Escolar 2020 divulgado nesta sexta-feira (29) indica a redução de 1,2% no total de matrículas no ensino básico. Ao todo, foram registradas 47,3 milhões de matrículas no nível básico, cerca de 579 mil matrículas a menos em comparação com 2019”.(Agencia Brasil)
“O censo aponta que existem no Brasil 179.533 escolas de educação básica. A rede municipal tem o maior número de estudantes e detém 48,4% das matrículas na educação básica. A rede estadual, responsável por 32,1% das matrículas em 2020, é a segunda maior. A rede privada obtém 18,6% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas”. (Agência Brasil)
“Os grandes protagonistas da educação pública brasileira são os municípios. Eles são responsáveis por educar quase metade dos estudantes matriculados na educação básica do Brasil”. (Agência Brasil)
Então, mãos à obra!
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Internet
A professora continua uma eterna sonhadora com professorxs preparados/formados e salários dignos para poder ensinar bem seus alunos,sem isso a Educação não tem futuro.