A pegadinha epistemológica: o retorno

Por

Alcivam Paulo de Oliveira*

Em 18.05.2021

Os meus dois ou três leitores têm acompanhado essas crônicas malucas que procuram apresentar a lógica dialética. Repito, o conceito é realmente complexo porque mexe com a forma de pensar e não há, em mim, a pretensão de simplificá-la em crônicas. O que desejo é provocar a curiosidade, sensibilizar esses leitore(a)s para a possibilidade de sair da caixinha.

Após a “pegadinha epistemológica” ensaiei a articulação da aplicação da lógica dialética em nosso cotidiano. Mostrei como normalmente interpretamos a realidade segundo a lógica formal e como se pode fazer essa interpretação segundo a lógica dialética. Agora, retomo “A Pegadinha”.

Terminei aquela crônica reconhecendo a limitação da “re-apresentação” da ação-reflexão por meio de um círculo, pois, no real, na vida da gente, toda vez que refletimos tendemos a melhorar, a fazer melhor, a nunca voltarmos ao mesmo lugar.

O que está por trás ou por baixo, fundamentando essa compreensão é que todo ser humano em seu modo de ser e agir é uma composição desse par: ação e reflexão. Não há ninguém que exista e aja somente pela ação, mesmo que seja daquelas pessoas que chamamos de práticas (não confundir com pragmáticas), ou somente pela reflexão. Mesmo o mais teórico dos seres existentes. Sendo que formam um par indissolúvel (para entender o que é ação preciso entender o que é reflexão e vice-versa), ação e reflexão negam-se mutuamente: quando um está presente, o outro está ausente.

E tem mais, esta oposição gera, necessariamente um conflito, a reflexão é a crítica da ação sobre a qual se debruça, enquanto a ação, testa a reflexão que a propôs. Esse conflito é inerente e necessário. É ele quem provoca o avanço de ambas; sem o conflito não há avanço do modo de ser e agir humano.

Observe que isso não quer dizer que você não possa pensar numa coisa e fazer outra. Pode sim, mas com prejuízo para o fazer ou o pensar. E veja, é fazer uma e pensar em outra. Por exemplo, pensar em milhões de coisas enquanto dirige um carro. Nesse caso, o dirigir é ação automática (sua teoria está incorporada). A não ser que você dirija e pense sobre o dirigir, algo frequente em quem está aprendendo e que termina dando errado. Há, portanto, uma oposição entre ação e reflexão.

A cada vez que fechamos um ciclo, acontece uma coisa muito boa: mantemos ações já realizadas, mas acrescentamos outras, mudamos. Da próxima vez precisará ser diferente, mesmo que tenha dado tudo certo. Porque, na próxima vez, será em outras circunstâncias, ainda que seja no mesmo lugar, com as mesmas pessoas.

Agora, não é que a reflexão faça mudar tudo quando for realizar a mesma ação pela segunda vez. Sempre haverá algo trazido da primeira ação. Igualmente, a segunda reflexão sempre trará algo da primeira.

Sendo assim, a imagem que melhor “re-apresenta” a relação ação-reflexão precisa ser em três dimensões, de forma que se perceba esse movimento ascendente (pode ser descendente?).

O ganho final desse movimento não será apenas a melhoria da ação e da reflexão. Será o aumento da consciência sobre a realidade. A partir dele poderemos entender os porquês, os “para- quês e os “comos”; entender as justificativas, os objetivos e os modos de nosso ser e agir.

Sim, sabemos que a razão não é, por si, garantia da verdade e da justiça. Ela é apenas uma dimensão do ser humano que exige, para entendê-lo, analisar as outras dimensões. Ademais, uma sociedade como a nossa, com tantas injustiças e assimetrias, pode ser a prova que os duzentos anos de mando da ciência e da tecnologia modernas não cumpriram o prometido. Isso, contudo, não pode ser justificativa para abandonarmos a razão e, por ela, a busca da consciência, principalmente se for uma consciência crítica diante de si e do mundo. Torço para que seja também uma consciência dialética.

*Alcivam Paulo de Oliveira é professor.