A vida antes da morte

Por

Ayrton Maciel*

Em 19.05.2021

Vida após a morte sempre foi uma incógnita. Um desejo para quem acredita em (um) Deus e que crê na existência de vida imaterial e que há um lugar onde viverá eternamente. Para o espírita – aqui ressalvadas as limitações do leigo -, espíritos vão e vêm. Para ateus e materialistas, tudo começa e termina na Terra. Então, para os de fé há o desejo do reencontro com os que foram amados, e que se foram. Para os espíritas, a certeza. Dos incrédulos, há o conselho: viva a vida material em harmonia com as circunstâncias e coisas.

A incógnita da vida após a morte é emocionante. Quem não gostaria de reencontrar aquelas e aqueles que tanto amou, que foram inspiração para o caráter, os princípios e a conduta? Para os materialistas, a pergunta vale também para si: foram inspiração enquanto vida tiveram, agora são lembranças e continuam inspiração. No mundo material – o dia a dia da humanidade -, uns acumulam tanto, têm muito tão de repente; outros lutam a vida toda e chegam ao fim da vida sem nada acumular. Estamos diante de um Deus justo e injusto?

Se Deus é justo para uns e injusto para outros, quais os critérios de escolha? Certamente, não são o discernimento entre a bondade e a maldade, a lealdade e a traição, o tamanho da fé e a negação, a partilha e a ambição. Havendo escolha por Deus, é óbvio que a vida após a morte é mais justa, a considerar os princípios das religiões: cristãos, muçulmanos, hindus, budistas, espíritas. Para todas, o paraíso é o lugar-destino e ele é melhor que a Terra. Admitindo-se que o planeta – dividido em nações e países – é um bom lugar para viver.

A vida após a morte existe? Existindo, é eterna? A eternidade é uma vida boa? Reencontrar a quem amamos seria emocionante. Mas, viver eternamente é uma ideia angustiante. Tudo é dúvida. Para os materialistas, uma fantasia, uma ilusão. Melhor viver da melhor forma agora, viver com objetivos, sem acumulação como meta. Para os que creem, a vida com fé é boa, e muito melhor após a morte. Entretanto, sendo o depois ‘muito melhor’, por que uns têm tanto e outros lutam e nada têm? Tudo é incerteza.

Entre a incógnita, o desejo e a certeza, há um ponto em comum: a incompreensão. Os que tanto têm confessão a fé e acumulam bens, embora muitos não exerçam a compaixão, enquanto os materialistas tendem a partilhar. A conclusão é que a fé faz bem, mas a matéria é mais valorizada, sobretudo pelos cristãos e muçulmanos. A vida pós-morte pode ser ‘muito melhor’-, porém quem não prefere a vida material? Por isso é que se sente tanto a partida de alguém que se ama. Há o desejo do reencontro – que se posterga o quanto se pode -, só não há a garantia, ainda que as doutrinas religiosas tenham a certeza.

A primazia é da riqueza, do acúmulo material. Maior influência na formação filosófica-religiosa do povo dos Estados Unidos, o calvinismo (de João Calvino, francês e um dos líderes da Reforma Protestante) é um exemplo do valor material em um alicerce de fé. A predestinação seria uma determinação de Deus. Então, seria uma escolha. Os norte-americanos construíram o país tendo a riqueza e o sucesso individual como méritos, mas esses seriam os predestinados. O rico como um predestinado. “Não inveje o rico, ele é um escolhido”, algo assim, segundo Calvino. Sendo essa uma verdade, estamos diante de (um) Deus injusto. A escolha por um filho é sempre injusta, para a riqueza e para a morte.

*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Internet