Com ensino de má qualidade… é malhar em ferro frio!
Mirtes Cordeiro*
Em 24.05.2021
A luta por uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade no Brasil vem de muitas décadas, com destaque para os pioneiros para o trabalho de Anísio Teixeira, que já na década de 40 do século passado propunha uma escola nova, sem vínculo com religião e que a rede de escola de ensino básico deveria ser municipalizada e de tempo integral.
O senador pelo PDT e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque tem pautado em sua vida pública o debate sobre a educação, o combate ao analfabetismo e a má qualidade da educação nas escolas brasileiras. Em entrevista ao jornal Zero Hora, em 2015, assim se expressou: “Se a gente compara a educação brasileira de hoje com a de 30 anos atrás, melhorou. Se compara com o que se exige hoje da educação, nós pioramos. É como se nós avançássemos ficando para trás, porque as exigências educacionais crescem mais rapidamente do que a educação brasileira melhora. Há 30 anos, nem tinha escola para 30% das crianças. Agora, elas estão na escola, mas em escolas muito deficientes”.
Essa discussão vem atravessando décadas, quase um século, mas não tem conseguido tocar os sentimentos de quem governa, nem da sociedade, que têm a responsabilidade constitucional de prover a educação pública obrigatória, gratuita e de boa qualidade para todos.
O Inep, órgão responsável pelo planejamento e a operacionalização das avaliações OCDE no país, vem apresentando os resultados referentes ao Brasil desde o início. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (PISA), examina o que os alunos sabem em leitura, matemática e ciências,
Em 2018 aconteceu a última avaliação, quando o Brasil apresentou um pequeno avanço em relação a 2015.
Realizado a cada três anos, o PISA tem o objetivo de mensurar até que ponto os jovens de 15 anos adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais para a vida social e econômica. Em 2018, 79 países e 600 mil estudantes participaram do teste, que ocorre desde 2000.
Os resultados do Brasil: Em leitura (57º lugar), atingiu 413 pontos – seis a mais que em 2015. A média da OCDE é de 487. Em matemática (70º), o país subiu para 384 – sete pontos a mais que o resultado anterior. Na OCDE, a média em 2018 foi de 489. Em ciências (64º), o indicador brasileiro foi de 404 pontos – três a mais que em 2015. A média da OCDE é de 489. (Fonte PISA/INEP)
Com relação ao IDEB, avaliação realizada pelo INEP/MEC, em 2018 tivemos o seguinte resultado, numa escala de 0 a 10: Ensino Fundamental anos iniciais (1º ao 5º ano) 5,8, ultrapassando a meta que era 5,5; anos finais (6° ao 9º ano) 4,7, não atingindo a meta esperada, 5; Ensino Médio “etapa mais crítica, o índice avançou 0,1 ponto, após ficar estagnado por três divulgações seguidas, chegando a 3,8. A meta para 2017 era 4,7”. (Agencia Brasil)
Há duas semanas foi divulgado novo estudo pela OCDE indicando que 67% dos estudantes de 15 anos do Brasil – quase sete a cada dez – não conseguem diferenciar fatos de opiniões quando fazem leitura de textos.
A situação expressada em todos os resultados aponta cada vez mais para a necessidade do desenvolvimento do pensamento crítico a ser desenvolvido através das atividades escolares. As nossas escolas, via de regra, estão acostumadas a trabalhar com material elaborado que visam o reconhecimento de respostas certas e erradas, diante de um conteúdo apresentado.
Sem que haja o entendimento de que é necessário produzir e analisar textos, compreender a lógica do raciocínio de cada criança ou adolescente, estabelecer o contraditório, é muito difícil romper com os baixos níveis de aprendizagem que vem sendo registrado ao longo dos anos.
O último estudo apresentado pela OCDE consegue inferir que o risco é de que a desinformação leve à “polarização política, diminuição da confiança nas instituições públicas e falta de credibilidade na democracia”.
Neste caso, pode ser até compreensível o que vem acontecendo no país, considerando o celeiro de ideias obscurantistas que se proliferam no país, a cada instante. A apatia que parece se abater sobre os brasileiros, aliada ao incipiente pensamento crítico diante da política má conduzida, e a pandemia com enfrentamento desastroso por parte do governo, não tem possibilitado, sobretudo aos jovens, uma manifestação mais criteriosa diante da invasão de informações deformadas que surgem no formato de fake news, comandada por robôs.
Outros estudos realizados indicam ainda que alunos dos últimos anos do Ensino Fundamental – durante o tempo de pandemia em que escolas foram fechadas e apenas 30% dos alunos tiveram acesso às aulas virtuais – podem ter regredido a possibilidade de aprendizagem em média até quatro anos em leitura e língua portuguesa e em matemática, média equivalente a três anos de escolaridade.
A pandemia evidenciou, sem nenhum escrúpulo, a situação de desigualdade por que passa o país: economia com índices baixos de crescimento, desemprego em massa, as dificuldades por que passa o sistema de saúde SUS, o desmonte das políticas públicas básicas, o aumento da criminalidade com a banalização da vida.
No entanto, com relação à educação, é necessário que se trabalhe as reformas necessárias, porque estamos falando atualmente de 47 milhões de crianças e adolescentes que foram matriculadas no ensino básico em 2020, prejudicadas no seu desenvolvimento pelo descaso histórico com uma educação de qualidade e, atualmente, pelo fechamento das escolas.
No ano de 2020 foram registradas 47,3 milhões de matrículas nas 179,5 mil escolas de educação básica do país. A rede municipal detém 48,4% das matrículas na educação básica. A rede estadual, responsável por 32,1% das matrículas em 2020. A rede privada obtém 18,6% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas. (Censo Escolar/MEC)
O poder público, através dos seus gestores, precisam tomar atitudes para além dos discursos, dos projetos e da legislação vigente. E a sociedade não pode mais aceitar que escolas não tenham as condições necessárias, nem prescindam de bons professores, metodologias e tecnologias modernas que possibilitem a aprendizagem de todos os alunos.
É com ensino de qualidade que se constrói a cidadania e a escola, como principal instituição da educação formal, é um ambiente social no qual as crianças vivenciam suas primeiras relações com seus semelhantes e aprendem a conviver em sociedade.
Não haverá equidade e justiça no Brasil enquanto não houver escola pública onde as crianças possam aprender desenvolvendo o seu pensamento, assim como não teremos um crescimento da economia sem que crianças tenham uma boa aprendizagem, a partir do atendimento em creches.
É malhar em ferro frio…
Hoje, mais de 448 mil mortos pelo vírus e por irresponsabilidade.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Internet
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