PM pernambucana reage seletivamente e age como se fosse autônoma
Gilvandro Filho*
Em 30.05.2021
Sou do Recife. E por aqui, nos últimos tempos, não há notícias de uma ação mais reativa e feroz da Polícia Militar, numa manifestação política, como a que ocorreu na manifestação anti-bolsonarismo desse sábado. Inclusive, cumprindo à risca a tática criminosa de acertar o alvo no olho com bala de borracha. Este tipo de selvageria se pratica, hoje, pelas polícias de todo o País e nos Estados Unidos de Trump, de onde a lição macabra foi importada.
No Recife, neste fim de semana, o resultado foi trágico. No meio da confusão, um homem que nem era militante, nem estava no ato, mas saía do trabalho, perdeu o olho esquerdo graças à mira infalível de um policial pago com o dinheiro do contribuinte pernambucano para protegê-lo e não para cegá-lo. Outra pessoa foi alvejada no olho e uma terceira, na perna. Todos foram parar no Hospital da Restauração, a principal emergência da cidade.
Tal destreza e tal presteza na reação da polícia militar pernambucana nunca foram vistas, por exemplo, nos atos dos bolsonaristas, realizados com regularidade na chique praia de Boa Viagem, quando o clima entre manifestantes e policiais sempre foi cordial e até colaborativo. Mesmo quando as marchas e carreatas são para pedir mais armas nas ruas, fechamento de partidos adversários, intervenção militar e morte aos integrantes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Uma covardia seletiva, que só mira uma banda, a esquerda. A direita, até por afinidade, é poupada e muitas vezes reverenciada.
Outra coisa estranha foi a Secretaria de Defesa Social, órgão do governo estadual, se negar a fornecer os nomes do comandante do pelotão e dos soldados que, sem nenhuma necessidade, atacaram manifestantes desarmados, com balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta. Como o que foi jogado no rosto da vereadora Liana Cirne, do PT, cena filmada e largamente difundida na internet, para não restarem dúvidas quanto à intenção truculenta, deliberada e premeditada dos seus autores.
O governador Paulo Câmara (PSB) passou mais de 3 horas para soltar um pronunciamento morno e sem a indignação que se esperava do chefe de um governo democrático. Como a que teve, pelo menos, a vice-governadora Luciana Santos (PCdoB), em sua fala, bem antes da do governador. Esperava-se que Paulo Câmara já viesse a público com os nomes dos militares envolvidos numa agressão tão covarde e desmedida. E que já anunciasse providências mais duras e claras para punir os irresponsáveis e conter a vontade de quem tivesse querendo fazer o mesmo. Era o momento, mesmo algumas horas depois do ocorrido.
O lamentável episódio desse sábado deixa a sensação de que a PM é um órgão à parte da gestão e da hierarquia, em Pernambuco. Afinal, como se justifica que a ação truculenta e inconsequente da polícia tenha se dado a poucos metros do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco? É tudo tão absurdo que parece afronta.
A verdade é que estamos diante de duas possibilidades. A primeira, de que os policiais agiram de vontade própria, por nervosismo. por despreparo ou por motivação ideológica e pendor bolsonarista. A segunda, de que reprimiram os manifestantes porque receberam ordens superiores, no caso, da administração estadual. As duas são igualmente graves e comprometem o governo. Por falta de controle ou, justamente, por tudo ter acontecido sob seu comando.
*Gilvandro Filho – Jornalista e compositor, com passagem por veículos como o Jornal do Commercio (PE) e as sucursais de O Globo, Jornal do Brasil e Abril/Veja. Teve colunas no JC, onde foi editor de Política e Informática, além de Gerente Executivo do portal do Sistema JC. Foi comentarista político da TV Globo NE e correspondente da Rádio suíça Internacional no Recife. Pelo JC, ganhou 3 Prêmios Esso. Como publicitário e assessor, atuou em diversas campanhas políticas, desde 1982. Foi secretário municipal de Comunicação. Como escritor tem dois livros publicados: “Bodas de Frevo”, com a trajetória do grupo musical Quinteto Violado; e “Onde Está Meu Filho?”, em coautoria, com a saga da família de Fernando Santa Cruz, preso e desaparecido político desde 1973. Como compositor tem dois CDs autorais e possui gravações em outros 27 CDs, além de um acervo de mais de 360 canções com mais de 40 músicos parceiros.
Artigo publicado originalmente no portal Jornalistas Pela Democracia.
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