Quem manda não é o comandante

Por
Ayrton Maciel*
Em 06.06.2021
Indícios de um plano de desrespeito à autoridade dos governadores e quebra da disciplina e hierarquia nos quartéis são cada vez mais evidentes.
Um soco no estômago. Mais do que a perplexidade pela contrariedade da lógica, a decisão do comandante do Exército brasileiro, o general de quatro estrelas Paulo Sérgio Nogueira, de não punir o general da ativa de três estrelas Eduardo Pazuello por participar de manifestação política de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, há 15 dias, traz a ameaça de transformar uma transgressão disciplinar numa porta aberta à indisciplina nos quartéis. Um soco no estômago de estatelar, na medida em que a expectativa era a da punição militar rigorosa, exemplar. O mau exemplo Pazuello, dado pelo Exército, é imponderável.
A corrupção da hierarquia e da disciplina é o resultado da insubordinação que Bolsonaro, seus filhos e aliados da extrema-direita vêm promovendo nas corporações, especialmente as polícias militares. Os quartéis estão se sentido soltos de autoridade civil. Há uma semana, uma ação da PMPE – até o momento não identificada de quem partiu a ordem -, que o governador Paulo Câmara (PSB) e os comandantes afirmam não ter autorizado, dissolveu uma passeata pacifica contra o presidente Jair Bolsonaro e a favor de vacinas, no Recife, deixando dois homens gravemente feridos com a perda de um dos olhos. As duas pessoas não participavam do protesto, o que não torna a covardia maior.
Indícios de um plano de desrespeito à autoridade dos governadores e quebra da disciplina e hierarquia nos quartéis são cada vez mais evidentes. A derrubada dos princípios servem exclusivamente aos projetos autoritários do presidente Bolsonaro, que tem hoje a sua principal base de apoio nos militares, particularmente os policiais militares. O episódio do Recife é mais um ato grave na trama de enraizamento da insubordinação nos quartéis. O primeiro foi protagonizado pela PMCE em 2019, numa greve-motim violenta contra o governo Camilo Santana (PT), ação que teve a solidariedade presencial do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL).
Em 2020, a insubordinação e o ato vinculado a interesses até o momento não esclarecidos ficaram expostos em uma ação da PMBA. Uma operação de um grupo especializado – em tese para prender um miliciano carioca – acabou se transformando numa emboscada e execução do ex-capitão PMRJ, Adriano da Nóbrega. A quem interessava o silêncio do ex-PM Adriano, que conhecia as relações oficiais e o submundo policial no RJ? Uma ação executada sem o conhecimento do governador baiano, Rui Costa (PT). Há uma semana, um tenente – no interior de Goiás – deu voz de prisão a um professor, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), por ter colocado adesivo no carro com a frase “Bolsonaro genocida”. Há um sentimento de autoridade extrema e desobrigação de subordinação.
Na vida, coincidências só na natureza. Os três governadores de Estado alvos de insubordinação são oposição a Bolsonaro. A verdade é que as polícias militares estão se considerando fora do comando dos governadores, e unicamente subordinadas a Brasília. O ato político pró-Bolsonaro do Rio de Janeiro, em 23 de maio – passeio de motocicletas seguido de comício -, que teve a presença do general da ativa e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, contou com mais de mil policiais militares, de vários Estados, revelou a imprensa. Os policiais militares estão respondendo inconfessadamente a Bolsonaro. É oculto, mas transparente (incoerência só nas palavras).
A ausência da oposição das ruas, em razão da pandemia, vinha favorecendo a Jair Bolsonaro e a seus antidemocráticos apoiadores. Mas, ao mesmo tempo, o expunha e a seus gestos constantes de ataques às precauções sanitárias contra a Covid-19. As manifestações nacionais de oposição do dia 29 de maio podem mudar a correlação das ruas, apesar dos riscos para o controle da pandemia. Em caso de novas manifestações, a tendência é de crescimento das adesões e da instalação do debate eleitoral de 2022. Cabe aos governadores resgatarem a sua autoridade constitucional, sem concessões. As PMs não podem estar nas ruas para proteger “aliados” e reprimir “opositores”.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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