Todas as vidas importam?

Por

Fernando Silva*

Em 21.06.2020

Escrever ou falar algo sobre o que aconteceu com George Floyd (Estados Unidos), João Pedro e Miguel Silva (Brasil) é difícil e complexo. Difícil, inclusive, emocionalmente. Complexo por exigir compreensões históricas, culturais, socioeconômicas, políticas e humanitárias. Indagações vêm à mente. É necessário repetir o que já disseram? Expor novas indagações? Estamos perdendo a memória e a capacidade de se indignar e de agir?

As respostas, a depender do interlocutor, podem ser não. Talvez. Sim. Algumas pessoas falam: deixa para lá, sempre foi assim e não vai mudar. Muitos estão cansados, afinal, são casos, situações que se repetem. Outras pessoas, não querem saber. Não se importam. Não se incomodam. Também existem aqueles que dirão, cada um cuida de si.

Não tenho o direito de silenciar, de não agir. É preciso ir muito além da necessária indignação. Não temos o direito, defendo, de esquecer. Jamais. Ficarmos sem memória. História. Lembranças. Quem lembra de:

  1. Araceli Crespo, 08 anos, raptada, drogada, estuprada, assassinada e carbonizada. 1973.
  2. Isabella Nardoni, 05 anos, jogada do sexto andar, homicídio doloso qualificado. 2002.
  3. Bernardo Boldrini, 11 anos, assassinado por superdosagem de medicamento. 2014.
  4. Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes. Assassinatos. 2018.
  5. Ágatha Féliz, 08 anos, assassinada. 2019.
  6. Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, assassinado. Recebeu 80 tiros do Exército. 2020.
  7. Gustavo Cruz Xavier, 14. Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16. Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16. Denys Henrique Quirino da Silva, 16. Luara Victoria Oliveira, 18. Gabriel Rogério de Moraes, 20. Eduardo da Silva, 21. Bruno Gabriel dos Santos, 22. Mateus dos Santos Costa, 23. Assassinatos em Paraisópolis – SP. 2020.
  8. João Pedro, 14 anos, assassinado. 2020.
  9. Miguel Silva, 05 anos, negligência? Homicídio culposo? Homicídio com dolo eventual? 2020.
  10. George Floyd, 46 anos, assassinado. 2020.
  11. Quem tem presente que a cada dia, segundo estimativa do UNICEF, são assassinadas 31 crianças e adolescentes no Brasil? E que, em 2015, foram 11.403 homicídios praticados contra crianças e adolescentes, a maioria meninos negros: 10.480 do sexo masculino, maioria negro.
  12. Que em 2019, foram 57.358 mortes violentas intencionais, no Brasil, conforme atesta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
  13. Que até 15 de maio de 2020, 141 mortes de pessoas LGBT, segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia.
  14. Houve um crescimento de de 22% nos registros de feminicídio no Brasil durante o período do Covid – 19. É o que aponta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
  15. O Covid-19 já vitimou 41.058 vidas. Brasil (12.06.2020). O dado supera o total de mortes no trânsito no ano de 2019, que totaliza 40.721 óbitos. Brasil.
  16. A polícia matou 1.099 pessoas, sendo 24% (25() pessoas negras. Estados Unidos. 2019.
  17. A polícia matou 5.804, com 75% (4.533) de pessoas negras. Brasil. 2019.

O que estamos fazendo, certamente, não tem sido suficiente. Porém, não devemos, nunca, perder a capacidade de lutar, se indignar, brigar, ter esperança, sonhar. Muito difícil mas, humanamente indispensável. É fundamental afirmar que que a existência humana importa. Que as vidas humanas – de negros, negras, crianças, adolescentes, jovens, adultos, mulheres, indígenas, quilombolas, pessoas idosas, pessoas com deficiências e da população LGBTQIA+ importam.

A indignação e luta das pessoas negras, afirmando que vidas negras importam, deve ser a luta de todas as pessoas. Afinal, as vidas negras são mais eliminadas do que qualquer outra. Portanto, a resistência é para as existências humanas, com a priorização para aquelas pessoas que foram e são mais afetadas por diversas formas de violências.

É preciso reconhecer “que não corremos o risco de chegar à barbárie; vivemos nela” (KRAMER, 2000, p. 7). Essa autora defende que é fundamental educar contra a barbárie. De acordo. Mas, os desafios são gigantescos e é necessário ter presente que vivemos numa sociedade “dividida em classes sociais, com interesses opostos” (SAVIANI, 2012, p. 75).

É imperativo que a defesa do direito à vida, com dignidade, assuma a centralidade nas relações pessoais, seja nos ambientes domésticos ou públicos, profissionais e políticos, para se contrapor às justificativas históricas e culturais que minimizam as existências humanas por qualquer condição de cor/raça, etnia, gênero, grupos etários, deficiência, orientação sexual, classe social, local de nascimento ou moradia.

Definitivamente, as vidas negras, importam. As existências humanas, importam!

*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades – Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Recife, PE.

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