Os militares desfilam para o delírio de Bolsonaro

Por
Ayrton Maciel*
Em 11.08.2021
O desfile dos militares na Esplanada foi mais uma encenação no teatro absurdo de um personagem de presidente de republiqueta.
O tempo não passa, a humanidade é que passa. E a maior propriedade desta passagem é a evolução. É o que se espera: evolução das pessoas e das coisas, essas (as coisas) que são os desfechos benéficos ou maléficos – a depender do uso – do conhecimento, da  prática e da comprovação. Somos a evolução dos neandertais de 400 mil anos atrás. Não foi por acaso que chegamos a Einstein, à relatividade e à bomba atômica, a Dumont e o 14-bis, a Baird e a TV, a Fleming e a penicilina, a Sabin e o fim da pólio, a Gagarin fora da órbita da Terra,  à Apollo 11 na Lua, ao computador e à internet. São 400 mil anos pensando.
Mas, há os irracionais, insensíveis e impiedosos. A invasão do Capitólio – sede do Congresso dos EUA – por uma turba alienada, negacionista, fundamentalista e ideologicamente fanática, em 6 de janeiro, incitada pelo então presidente derrotado, Donald Trump, foi um episódio tão impensável para a democracia norte-americana quanto perigosa inspiração para países com governantes que se declaram “antissistema” ou políticos outsider. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro profetizava, em tom ameaçador, que “vai acontecer o mesmo aqui”, caso a Câmara não aprovasse o voto impresso. Os deputados disseram não.
Nos Estados Unidos, as instituições se impuseram, a legalidade não foi atingida, e Trump ainda pode pagar caro pelo ataque à Constituição. A dupla queda de Trump – nas urnas e pela lei – não serviu para precaver Bolsonaro. Candidato a ditador, o presidente não se contém, não respeita os demais poderes, quebra sem o mínimo pudor a liturgia do cargo  e não se preocupa em governar com estabilidade política e mental. Eis porque Bolsonaro aposta alto em seu projeto de “ditador de República de Bananas”, agredindo os Poderes e adversários, incitando a sua turba à violência, buscando criar um ambiente de conflito e desordem e instigando o “seu Exército” a ocupar as ruas.
O desfile militar improvisado da Marinha, pela Praça dos Três Poderes, serviu para embalar o ego alucinado de Bolsonaro. A alegação dos comandantes de que houve apenas uma coincidência com o dia da votação, na Câmara, do projeto antecipadamente derrotado do voto impresso – vontade do presidente – não convenceu o Congresso, tampouco assustou aos deputados. A reação foi à altura da insolência. O Brasil não é uma republiqueta, como talvez pensem generais, almirantes e brigadeiros de Bolsonaro. As pretensões de golpe são explícitas, é verdade. Bolsonaro e seu círculo ainda não tentaram por absoluto medo. Eles sabem que não há condições internas e externas para a aventura fraticida.
A narrativa do voto impresso para evitar fraudes eleitorais é suja falácia. Manobra semelhante Donald Trump usou nos EUA para tentar anular os votos pelos Correios e impedir a vitória de Joe Biden. Farsa que levou à invasão do Capitólio e à morte de cinco pessoas, quatro das quais extremistas. Sem prova de fraude nas eleições eletrônicas, nestes 25 anos, Bolsonaro insiste em alimentar a dúvida, injuriar, caluniar e difamar a Justiça Eleitoral, acirrando a sua militância radical e a propagação de fake news. Um pré-discurso para uma eventual derrota eleitoral em 2022, negando-se a aceitar o resultado.
É, porém, parte da estratégia eleitoral de Bolsonaro, o plano B para o cada vez mais fracassado projeto golpista. O voto no papel e a narrativa falsa. O retorno do voto impresso é que iria ampliar as possibilidades de fraude eleitoral. No Rio de Janeiro, Estado e capital, as milícias empregariam seus quadros para ter sob ameaça ou preço o voto nas comunidades. No país, militares – especialmente das Polícias – recorreriam mais facilmente à pressão da farda para o voto e a reeleição de Bolsonaro. Políticos inescrupulosos resgatariam práticas do impresso que historicamente enlamearam eleições brasileiras.
Bolsonaro e generais do Palácio vão continuar jogando combustível na fogueira golpista. Agora, e até outubro de 2022. Sem preocupação com cálculo de custo humano, apenas com o medo do fracasso e de suas consequências. Não receiam o dia seguinte, confrontos de rua, prisões em massa, sequestros, desaparecimentos, torturas e execuções, mas sim a possibilidade da resistência vencer. Afinal, como ter o apoio de Biden? Ou a indiferença dos países fronteiriços? Ou o silêncio dos europeus, da OEA e da ONU? Como superar um bloqueio econômico, mercados fechados para o agronegócio e a fuga de investimentos estrangeiros? Um quadro inimaginável para a era que vivemos.
E se a economia entrasse em colapso, o desemprego explodisse, a inflação orbitasse e o caos social se instalasse? Como manter a internet fora do ar e as redes sociais desconectadas? O que fariam com os ministros do STF, os governadores, os deputados e senadores? E se houvesse um banho de sangue nos opositores, como reagiria a comunidade internacional? Interviria, provavelmente. Tudo inimaginável, mas Bolsonaro e Trump pareciam inimagináveis. Acabaram eleitos e se voltando contra o sistema.
Num quadro de tragédia nacional,  o custo seria imperdoável. Uma nova anistia, inaceitável. O caminho para as cortes internacionais estaria mais próximo. Nesta alucinação autoritária, Bolsonaro vai prosseguir mostrando – por outro lado – as suas fragilidades. Precisa demonstrar força para gerar na população o temor. O desfile dos militares na Esplanada foi mais uma encenação no teatro absurdo de um personagem de presidente de republiqueta.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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