O veto de Bolsonaro à dignidade das mulheres

Por

Paulo Sérgio Pinheiro

Em 09.10.2021

O chefe de governo acaba de vetar a distribuição gratuita de absorventes, que constava em projeto de lei aprovado no Congresso em setembro. Segundo a Folha de S. Paulo (8/10/2021), pesquisa divulgada em maio deste ano revelou que 2% de mulheres faltaram a aulas por não poderem comprar um absorvente. Destas, 48% esconderam esse motivo; e 45% foram prejudicadas em seu desempenho escolar. A Unicef informou que 713 mil meninas brasileiras não têm acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas.

O presidente ironizou o assunto. Disse que o custo do programa seria de R$ 80 milhões por ano e comparou o projeto ao reajuste do salário mínimo. “Dá R$ 7 milhões por mês. Cada mulher teria oito absorventes por mês e, se fizer as contas, ele (sic) diz que custaria R$ 0,01 pra distribuir. Eu perguntei para ele (sic). E a logística para distribuir para o Brasil todo?”. As desculpas quanto aos fundos para financiar a distribuição de absorventes são absolutamente esfarrapadas.

Esse veto devassa às escancaras a política antifeminista anunciada na campanha do presidente e posta em prática de forma consistente desde sua posse. Como justamente demonstrou o Manifesto de Titulares da Secretaria e Ministério de Direitos Humanos, lançado no dia 1º de outubro, desde o início do atual governo de extrema direita, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi totalmente descaracterizado.

Foram dissolvidos ou debilitados conselhos, grupos de trabalho e comissões, interrompendo políticas de promoção dos direitos em curso, notadamente os órgãos e políticas que visam combater a tortura e promover medidas de justiça de transição, interditando a participação de atores da sociedade civil. Tendo adotado a atual ministra uma visão bíblica fundamentalista para impor políticas de caráter anti-igualitário, patriarcal e antifeminista.

Observam os signatários do manifesto (*) que no atual governo há um ataque frontal e implacável às conquistas em matéria de direitos das mulheres e questões de gênero, notadamente acerca dos direitos sexuais e reprodutivos, com a descaracterização da Secretaria dos Direitos da Mulher. Há ainda o recrudescimento do negacionismo de gênero na atuação internacional do Brasil nos órgãos de direitos humanos e temas sociais, como a Organização Mundial da Saúde.

O veto ao programa de distribuição de absorventes expõe o desprezo que o presidente tem pelas mulheres dos grupos mais vulneráveis no Brasil. O projeto de lei previa como beneficiáriasestudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública; mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

Espera-se que o Congresso Nacional, em defesa dos direitos das mulheres, ponha abaixo esse odioso veto do presidente à dignidade das mulheres.

*José Gregori, Gilberto Vergne Saboia, Paulo Sérgio Pinheiro, Nilmário Miranda, Mário Mamede Filho, Paulo de Tarso Vannuchi, Maria do Rosário, Ideli Salvatti, Pepe Vargas, Nilma Lino Gomes e Rogério Sottili.

Paulo Sérgio Pinheiro é integrante da Comissão Arns. preside, desde 2011, a comissão independente internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) de investigação sobre a República Árabe da Síria, em Genebra. Foi ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. Foi membro e coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

Artigo publicado originalmente no portal da Comissão Arns.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: Arquivo pessoal. Universitárias doam absorventes a estudantes do ensino público em PE