Ailton Krenak recebe título de ‘Doutor Honoris Causa’ da Universidade de Brasília
Mônica Nunes/ Conesão Planeta
Em 21.12.2021
“O Krenak é um filósofo imprescindível para este momento. Ele acrescenta novas ontologias que transcendem a divisão entre a natureza e o ser humano. Quando destruímos a natureza, destruímos o ser humano. E acrescenta novas epistemologias. A Universidade de Brasília se caracteriza pela abrangência epistemológica, em diversas áreas. Eu destaco as línguas e povos indígenas, o nosso Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas”.
Foi assim que o vice-reitor Enrique Huelva, da Universidade de Brasília (UnB), comentou a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao líder indígena, filósofo, autor e ambientalista Ailton Krenak, aclamado pelo Conselho Universitário, de forma unânime e virtual, em 3 de dezembro.
Os professores José Geraldo de Sousa Júnior, da Faculdade de Direito (FD), e Vanessa Maria de Castro, da Faculdade UnB Gama, entregaram a proposta do nome ao conselho – com o endosso dos intelectuais Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chauí, ambos também agraciados com o mesmo título.
O reconhecimento é oferecido a personalidades que se destacam devido a seus saberes ou à sua atuação em benefício das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos.
“Com essa decisão, a Universidade de Brasília honra a memória de seu fundador Darcy Ribeiro, antropólogo e aliado dos povos indígenas, e fortalece a orientação humanista e o espírito democrático desta instituição”, destaca a professora Mônica Nogueira, da Faculdade UnB Planaltina, autora do parecer que deu sustentação à nomeação. A data para a entrega do título a Krenak ainda não foi divulgada pela UnB.
Esta não é a primeira vez que o líder indígena recebeu um título como este, como contamos aqui.
Em fevereiro de 2016, Krenak também foi reconhecido como Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo conjunto de ações desenvolvidas por ele desde 2012 na instituição, que ajudou a transformar a visão sobre a importância da pluralidade dos saberes tradicionais na academia.
Além da realização de palestras para o Movimento Encontro de Saberes, que passou a integrar nesse ano, Krenak atuou em curso de especialização sobre Cultura e História dos Povos Indígenas e em disciplina sobre artes e ofícios, ministrada em outros cursos.
Segurando o céu
Integrante do povo indígena Krenak (ou Borun), ele nasceu em 1953, em Itabirinha (MG), e vive no Vale do Rio Doce. Liderança histórica do movimento indígena, ganhou notoriedade na década de 1980, durante o processo de luta pela redemocratização do país, que culminou com a aprovação de uma nova Constituição Federal, em 1988, que assegurou os direitos originários dos povos indígenas no Brasil.
Krenak participou da Assembleia Constituinte e discursou na Tribuna enquanto pintava seu rosto com tinta de jenipapo para expressar sua indignação, registrando uma imagem inesquecível e contundente da história do país.
Integra a Aliança dos Povos da Floresta, rede idealizada por Chico Mendes, líder do movimento ambientalista brasileiro, assassinado em 1988.
É um dos mais importantes intelectuais da atualidade, que ganhou ainda maior projeção devido ao cenário político deteriorado com a ascensão de Bolsonaro à presidência.
Com a pandemia do coronavírus, que trouxe isolamento social e intensificou as relações digitais, sua voz se expandiu ainda mais pelo país e para além dele, transformando-o em figura imprescindível para a reflexão da sociedade sobre seu papel no presente e no futuro, de forma a adiarmos “o fim do mundo” – como sugere Krenak – ou “a queda do céu” – como anuncia Davi Kopenawa.
A experiência virtual, com as lives, destacou ainda mais o poder da oralidade contido em seus livros. Ele explica: “Não sou escritor, sou autor já que eu apenas falo, alguém transcreve e esses escritos viram livros”.
Uma flecha selvagem
Quando a pandemia chegou, Krenak cumpria um intenso roteiro de palestras para lançamento de seu livro pelo país, como em São Paulo e Manaus. Impedido de viajar e sempre muito requisitado, logo aderiu a uma maratona de lives – três a cinco por dia!
“Já falei com estudantes da baixada fluminense, com indígenas no Acre, com universitários da Bahia, com o público em geral, de noite, de dia, até em sábados e domingos!”, me contou em setembro do ano passado.
Lá, ao lado do Rio Doce – tendo, ao fundo, o barulho do trem da Vale “que todo dia leva um pouco mais da montanha embora” -, ele ainda idealizou projetos especiais para a internet.
Junto com Anna Dantes, da Editora Dantes, reciclou o conteúdo do belíssimo Selvagem – Ciclo de Estudos, lançado em 2018 – que promoveu encontros no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com pensadores do Brasil e do mundo, até 2019.
Foram realizadas lives com pensadores, cientistas, indígenas, entre outros “amigos do ciclo” e um novo projeto: uma série de seis vídeos à qual Krenak deu o nome de Flecha Selvagem (quatro já foram lançados, como contei aqui). E o lançamento de uma biblioteca virtual com seu nome, que reúne palestras, lives e programas dos quais Krenak participou e estão disponíveis online (contei, aqui): “Uma biblioteca irreverente, que fala, que não pede silêncio”, celebrou o pensador indígena.
Em meio a tantos movimentos e realizações, em setembro do ano passado, Krenak recebeu o prêmio de literatura Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores. “Uma brisa no meio da tempestade”: foi assim que ele chamou a escolha do seu nome, em entrevista que fiz com ele próximo de seu aniversário.
Mônica Nunes – Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.
Foto de Marcos Cólon, realizada durante as filmagens do documentário ‘Pisar Suavemente na Terra”, com estreia prevista para 2022.
Reportagem publicada em 16.12.2021.