Gabriel Boric, luz no final do túnel
Janice Theodoro da Silva*
Em 11.01.2022
Um amigo me contava uma anedota muito sugestiva para os temerosos do excesso de juventude de Gabriel Boric.
Diante de um problema de difícil solução, ele sugeria um encaminhamento, do tipo “jesuítico”, para resolver o impasse.
Escute primeiro os mais jovens, com sensibilidade para o social. Avalie com profundidade as suas propostas, como solucionariam o problema. Eles têm a vida pela frente, força para mudar as coisas de lugar e sonhos (projetos) para a construção de um mundo melhor.
Em seguida escute os bem velhos, os sábios, aqueles com longa experiência de vida, habituados a olhar a morte logo ali, de frente. Os corajosos provavelmente erraram, acertaram, assumiram as responsabilidades e as consequências dos seus atos. Com certeza viveram experiências espinhosas, difíceis de esquecer e de aprendizado sugestivo. Os velhos, conhecem a estrada, o quanto é dolorosa e difícil a mudança, como são modestas e transitórias às vitórias. Ao percorrer a estrada da vida descobriram a medida, o sabor e a dimensão do fluxo tempo. Dentre os muitos velhos os mais talentosos conselheiros são os mais independentes, protagonistas de sua própria história, alguns quitaram suas promissórias, outros não. Ambos, por erros e acertos, sabem avaliar as circunstâncias e sugerir boas soluções para os impasses.
Ambos, jovens e velhos, merecem ser ouvidos com atenção quando se pretende encontrar a solução para um desafio, seja ele pessoal, nacional, ou, internacional. Observem em detalhe as sugestões desses humanos. Fiquem atentos quais seriam as propostas apontadas por ambos, jovens e velhos, para solucionar o problema.
Finalizando a sugestão, sobre interlocutores, convém alertar sobre os perigos dos humanos de meia idade, nem muito jovens, nem muito velhos: – Escute as considerações destes seres de meia idade e pondere com cuidado. Em geral tendem a defender, prioritariamente, a estabilidade e seus interesses pessoais, familiares, empresariais e políticos. Atenção, mesmo com os amigos próximos, no cotidiano ou na vida política.
Construir um mundo melhor é projeto, desejo e ambição de Gabriel Boric, jovem de 35 anos, eleito presidente do Chile. Participou de movimentos estudantis, conhece a problemática da imigração com base em experiências familiares e dispõe de uma boa calibragem entre a razão e a emoção, graças a experiências no legislativo (duas legislaturas).
Gabriel Boric faz parte dos grupos dos jovens com projeto e vontade de construir um novo mundo, uma nova estética, atento às mudanças dos papeis masculino e femininos, sem retrocessos. Ele representa uma geração distante das marcas comportamentais dos anos 60 e 70, época em que se conjugava virilidade, força e revolução. Naquela época era impossível amar um “covarde”, receita com trágicos resultados. Muitos dos bons e corajosos jovens se foram, assassinados bárbara e injustamente.
As palavras e metáforas do discurso de Gabriel Boric indicam um novo tempo.
Ele fala em “mãos abertas” (generosidade), “grande família, inclusiva” (muito diferente de família nuclear, respeitando várias modalidades de família), propõe “caminhar passo a passo” (prudência), acolher as diferenças. Ele valoriza um crescimento econômico sem desigualdade, e sem pés de barro, defende a ciência, a educação e a cultura e, nomeia os povos originários, lembrando serem eles os “habitantes originários de um lugar chamado Chile”. Sua narrativa sugere equilíbrio, virtude aristotélica.
Comparem o seu discurso de posse com o de outros presidentes nacionalistas, autoritários e desumanizados. Presidentes incapazes de ver e respeitar as diferenças dos usos e costumes dos habitantes de um mesmo território. No discurso de posse Boric vê os homens, o ambiente, um “Chile verde”, relacionando o país e o meio ambiente. É tema também a valorização de um novo contrato social, a ser discutido na Assembleia Constituinte, com destaque para a participação dos povos originários e dos chilenos discordantes, demonstrando a disposição em construir pontes, com responsabilidade e justiça social. Prudência é virtude aristotélica.
Boric manifesta consciência sobre os silenciamentos, de gênero e de cultura (entre outros), declara-se contrário à sociedade patriarcal, a ética darwinista e desumanizante e a destruição do meio ambiente. Com relação ao planeta menciona a jovem Greta Thunberg e a jovem ativista chilena Julieta Martinez, ligada ao grupo Tremendas, (conjunto de adolescentes agrupadas em torno de uma plataforma colaborativa voltada para ações de impacto social, meio ambiente, sustentabilidade das cidades e dos ecossistemas, inclusão e gênero).
Gabriel Boric não está afinado com os antigos modelos políticos. É, de fato, jovem. Seu discurso, palavras e metáforas escolhidas, expressam a sintonia de um novo homem, típico do século 21. As palavras, aparentemente antigas, como justiça, humildade e responsabilidade social interagem com a conjuntura atual, servem como uma espécie de antídoto poderoso neste momento de crise e risco das democracias.
Talvez o remédio para as democracias envolva uma nova forma de se apropriar do aristotelismo por meio de virtudes, da ética, mobilizadoras de palavras como justiça, dignidade e humildade, citadas por ele. Virtudes fruto da razão, da capacidade humana em reconhecer, analisar e enfrentar o erro, a falha, a imperfeição praticada. Virtudes esquecidas, empalidecidas pela retórica publicitária, narcisista e auto valorativa, típicas das novas mídias sociais. Justiça exige reflexão e uso da razão, envolve conhecimentos sobre o bem, as finalidades e a felicidade. Palavras sugestivas adequadas à reflexão em momentos de crise.
Por quê?
A justiça, tema central em todo o discurso, é virtude capaz vencer a raiva e o ódio, produto em alta no mercado. Explico melhor. A virtude na prática da justiça não suprime as faltas, os erros, não permite encobrir, em nome de interesses de pessoais, empresariais ou políticos as diversas ordens crimes e desigualdades geradores de ódio. Se falamos em justiça supomos ser ela necessária por existir entre os humanos o crime, o erro e a violência. A justiça requer autopsia aprofundada dos motivos germinadores da irracionalidade e do negacionismo. Fazer justiça exige o uso da razão para desenterrar verdades da forma correta, reparar erros, enxergar as violências, enunciadas e silenciadas, combater as desigualdades, procedimentos necessários para a vida em sociedade. A justiça é corretiva, retificadora, e, ao mesmo tempo, exigente com aqueles que a praticam. Sugere a autocrítica constante, procedimento bastante utilizado no passado e esquecido no presente.
Quando se vê e nomeia as populações do continente americano como povos originários, quando se fala em trabalho descente, dignidade, direito à moradia, à educação, os enunciados sugerem a palavra Justiça. Quando se propõe caminhar “passo a passo”, “respeitar às organizações sociais”, conciliar e “governar para todos”, a pretensão é construir um tecido político onde um fio é a força dos jovens e o outro fio é a prudência dos velhos.
Resumo da ópera: Os jesuítas apresentam uma proposição sugestiva.
Parabéns, chilenos pela escolha de um jovem para presidente, Gabriel Boric.
Aposto nos jovens.
Há luz no final do túnel.
*Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Artigo publicado originalmente no Jornal da USP.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do blog Falou e Disse.